Não é novidade que a Paquetá, uma das maiores empresas do setor calçadista no Estado, com faturamento anual ao redor de R$ 2 bilhões, atravessa dificuldades. Depois do início de um programa de governança corporativa iniciado em 2010, a família se retirou do comando direto dos negócios em 2016. O primeiro executivo externo a assumir ficou dois anos no cargo, e agora houve nova mudança. A empresa passou por uma espécie de concordata branca. Abriu uma renegociação de dívidas com credores e fornecedores, mas enfrentou problemas na adesão. No final de outubro, a Paquetá definiu um novo CEO, depois que o vice-presidente financeiro, Luiz Augusto Pollachini, passou um período acumulando seu cargo e o comando geral. É Henning von Koss, egresso da Bayer, que chega com disposição de admitir as dificuldades sem rodeios para se dedicar a vencê-las. Ambos tiveram uma conversa franca com a coluna sobre o desafio de recuperar a credibilidade.
O que significa essa nova mudança?
A única coisa que os acionistas tinham claro era que não queriam voltar à operação. Isso é bastante importante, não houve saída de executivo com a intenção, como muita gente pensa, de retorno do acionista à gestão. Isso acontece em algumas empresas, mas não aqui. Entrou uma consultoria (Galeazzi) para fazer o trabalho de reestruturação, enquanto em paralelo se buscava um novo executivo. O processo começou em julho e terminou em outubro.
Como a Galeazzi é conhecida por reduzir estruturas, houve enxugamento forte?
A consultoria utiliza o orçamento base zero, em que coloca tudo em questão. Então questiona quem está operando, redireciona e otimiza. Então, quando há estresse financeiro, operacional, eles tentam, em um período muito curto, questionar muita coisa. Diferente das consultorias que questionam e vão embora, trazem um time de executivos e colocam ao lado da gestão para revisar o processo nos mínimos detalhes. O objetivo da consultoria não é entrar e cortar pessoal. O objetivo é olhar se eu tenho a quantidade de recursos necessários para tocar a operação neste e nos próximos anos.
A indústria tem alto nível de produção e mão de obra muito qualificada.
Que tipo de enxugamento houve?
Mesmo quando se faz readequação da estrutura, faz de forma socialmente responsável. A primeira coisa é congelar todas as posições em aberto, para ver se realmente precisa. Assim, já se faz boa parte da adequação. Não vamos escapar de, em certas situações, dar um passo maior e fazer desligamento, mas não em massa. Mas um que feche a linha. Hoje, a Paquetá tem 12 mil pessoas. Grande parte dos colaboradores está na indústria, e não há mudança. A indústria tem alto nível de produção e mão de obra muito qualificada, que exigiu investimento para formar. Temos a universidade colaborativa que forma pessoas.
As fábricas estão com alto nível de produção?
Sim, temos a nossa produção e a de terceiros. Então as fábricas sempre ficaram bem cheias. Temos parceria com lojas dos Estados Unidos, várias lojas da Quinta Avenida ostentam sapatos feitos por nós. Também temos parceiros esportivos como Adidas, Oakley. Somos os produtores para o mercado nacional. Agora deve começar uma recuperação econômica no Brasil, porque existe uma definição, o que também começa a puxar a indústria nacional.
Então o maior problema é no varejo?
Sim, houve redução de fluxo de pessoas e da quantidade de produtos comprados por pessoa. Lojas que eram de alta atratividade de repente deixaram de ser. Então, o fechamento de lojas ocorre, tentamos aproveitar o vendedor, mas a mobilidade é limitada. Tínhamos 190 lojas, ficamos com 167. O consumo caiu 11%. O estresse financeiro tem efeito bola de neve, faz com que a credibilidade nos bancos e fornecedores tenha de ser restabelecido. O dano não foi maior porque a Paquetá é uma marca é muito conhecida, um grande canhão de vendas. Mas é difícil, porque cada vez que você não consegue vender, fortalece a leitura do fornecedor de que as coisas não vão bem.
A seleção de franqueados fez com que tivéssemos problemas, inclusive de inadimplência.
Houve mais problemas nas franquias?
Temos redes de marcas próprias, que atestam nossa qualidade, como Dumont, Capodarte, Ortopé. Talvez nas franquias nossa lição de casa não tenha sido bem-feita. A seleção de franqueados fez com que tivéssemos problemas, inclusive de inadimplência (o dono da loja não pagava pelos produtos recebidos da fábrica). A escolha tem de ser mais estruturada, aceitamos muitos franqueados que não tinham DNA de franquia. Fizemos ajustes, houve substituições, não redução. Aumentamos o número de franqueados. Estamos com 85, e a projeção é de levar a 150 nos próximos dois anos.
Como foi encaminhado o endividamento da empresa?
Começamos a resolver questões operacionais, para poder chegar no credor financeiro e dar confiabilidade de que o negócio faz sentido e vamos acertar a situação. Começamos com os fornecedores, que haviam chegado a interromper entregas por conta de dívidas, o que provocou ruptura de estoques. O cliente chegava na loja e não encontrava o produto que queria. Agora, estão todos renegociados e voltaram a fornecer normalmente. Trouxemos profissionais de varejo para tocar o varejo, a marca própria também tem um profissional de mercado. Essas mudanças ajudaram o mercado a fazer a leitura de que estamos indo no caminho certo. A confiança é fruto da coerência. Nesse últimos quatro meses, renegociamos todos os fornecedores.
Temos uma dívida relativamente grande, correspondente a sete vezes o Ebitda, mas totalmente viável.
Luiz Augusto Pollachini: A marca teve problema da inadimplência das franquias, que fez com que as dívidas ficassem muito concentradas no tempo. Agora, estamos conseguindo com os bancos um alongamento da dívida. Temos dívida relativamente grande, correspondente a sete vezes o Ebitda (sigla em inglês para lucro antes juros, impostos, depreciação e amortização, equivalente à geração de caixa da empresa), mas totalmente viável. Em dois anos, queremos trazer a relação para três, uma proporção saudável. Outra medida será desinvestimento.
Como será esse processo de desinvestimento?
Tínhamos um grande centro de distribuição em Canoas e um escritório de varejo em Porto Alegre. Não fazia sentido manter separado, porque o varejo vive de logística. Havia espaço disponível em Canoas. Vendemos o imóvel de Porto Alegre. Vamos ver o que é relevante para o negócio, o norte é a operação. Algumas das lojas que fechamos eram próprias, vamos vender. Também estruturas ociosas o mal-usadas. Não existe desinvestimento em negócio, é em ativos não operacionais. O prédio de uma fábrica, por exemplo, pode ser vendido para ser alugado depois. Aumenta a liquidez e garante a viabilidade.
E a perspectiva para redução da dívida?
A ideia é de que toda renegociação financeira de estrutura e tempo da dívida esteja feita até o final de 2019. Para melhorar a relação dívida/Ebitda, vamos aumentar o resultado e reduzir a dívida. Queremos diluir a dívida no tempo para não sufocar o negócio. Só vamos conseguir esse alongamento se os bancos tiverem perspectiva de que o resultado que geramos é suficiente para pagar. O foco é fazer a operação ganhar credibilidade. É um desafio que tem o seu esforço, mas é viável.
O que muda na operação do varejo?
Agora, a ambição é voltar a crescer. Tiramos que não estava funcionando, não encaixava no modelo. No varejo, o que tinha de ser enxugado já foi. Agora, precisamos resgatar a pessoa que foi à loja duas vezes e não encontrou o produto. A retenção de cliente é muito importante, mas a atração de novos clientes é importante.