Durante a crise, a economia gaúcha sentiu a perda de empresas relevantes para o Estado. A Melnick Even foi exceção. Em 2015, com apoio de um fundo formado por empresários gaúchos, assumiu o controle da Even, que havia abocanhado um naco da construtora gaúcha em 2008. Em agosto passado, seu presidente, Leandro Melnick, tornou-se CEO da Even, acumulando o comando da empresa em São Paulo com o dos negócios locais. Nesta terça-feira, durante o Fórum Respostas Capitais, realizado na sede do Grupo RBS, destacou a necessidade de compreender a macroeconomia para tocar os negócios:
– Não basta tocar o barco, é preciso entender a meteorologia.
Como começou a aproximação da Melnick com a Even?
O Brasil, em 2006 e 2007, vivia um momento totalmente oposto ao de hoje, que era o de quase certeza de que daria um passo imenso para a frente. A nossa empresa era bastante pequena, uma empresa familiar, e tínhamos começado um novo ciclo da Melnick, eu e meu irmão Juliano, junto com nosso pai, sempre com a cabeça de análise futura, macroeconomia e ciclos futuros. Tínhamos total convicção de que o mercado brasileiro passaria por uma transformação e o da construção civil também. Ajeitamos a empresa, de uma companhia bastante pequena para uma estruturação nos moldes de uma empresa grande. Quando teve esse movimento de fato, em que a macroeconomia consolidou o Brasil para o processo de crescimento, a gente estava preparado para alguma parceria. Em 2008, fizemos parceria com a Even e colocamos uma regra, que só faríamos se tivéssemos 100% do controle operacional.
A Even aceitou a nossa proposta e a nossa lógica, de ter essa definição, é de que daria tudo errado. Quem estuda macroeconomia sabe que ter 18 empresas abrindo no mesmo setor é muito difícil dar certo. Tínhamos 3% dos resultados da Even em 2008 e botamos em prática as nossas convicções, umas cinco, que eram muito diferentes das do mercado de capitais. Uma delas, era a meta principal das empresas era quantitativa, elas precisavam crescer pra justificar a abertura de capital. A nossa principal meta financeira era a maior rentabilidade de capital, que era completamente diferente do resto do mercado. Quando veio a crise de 2008, analisamos que era uma crise passageira, mas o setor deu uma travada e a gente começou a comprar terreno. Éramos a 10ª empresa do Estado e passamos a ser a primeira, em tamanho, lucro, e nunca mais perdemos essa posição. Passados alguns anos, a gente estava com a rentabilidade muito alta. Então, nos destacamos dentro do grupo Even. Quando a gente viu que a crise ia acontecer de fato, nos preparamos para as oportunidades. Para aproveitar as oportunidades da crise, tem de se preparar muito, tem de entender que o Brasil é um país de ciclos abruptos. Com a crise, a gente tinha a convicção de que os ativos das empresas iam ficar muito baratos e organizamos um grupo de investidores e fizemos a compra das ações da Even.
Foi uma aquisição hostil, como se diz no mercado quando uma empresa não está muito afim de vender?
A gente se preparou vendo uma oportunidade e não vejo como uma aquisição hostil. A gente viu que os ativos iriam ficar baratos no Brasil, a gente sabia que a Even era uma empresa estruturada, com boa governança. Imaginávamos que viria uma crise muito grande, que falavam que o Brasil iria quebrar, e a Even era uma empresa robusta, que iria sobreviver a esse momento de crise intensa. Essa crise iria limpar 70% das empresas do nosso setor e que, depois, teria um mercado em crescimento de novo, mas lento e com concorrência mais saudável e menos tumultuada. A Even era uma empresa em que o maior acionista tinha 6%. Eu falava com o Carlos, que era presidente da Even, que tinha que escolher se ia ser Alemanha ou Grécia, tu tinha de aceitar vender a empresa ou aceitar que iria diminuir. A gente estruturou a ideia de fazer um bloco de controle, para ficar mais robusto no momento de crise – com um controle muito fraco fica muito exposto. No meio desse processo, a gente fez o Fundo Melpar, formado por famílias com provavelmente 80% de capital gaúcho. Somos Melnick, Zaffari, Gazola, Grendene e duas de São Paulo, Vidigal e Helio Seibel.
O Carlos, um dos fundadores da empresa, que era o presidente no momento, não quis mais continuar como CEO. Ele resolveu sair da posição quando completasse essa fase por que ele se viu não mais na ideia de ser um CEO como chefe, com o poder da caneta. Porque antes, era um conselho pulverizado que ele mesmo escolhia. Ficaram na empresa todos os funcionários e, naquele momento, dois vice-presidentes. Então, não foi nada abrupto, ficou toda a empresa, diretoria e colaboradores. O que aconteceu de anormal no processo brasileiro é que a gente fez uma coisa atípica. A gente resolveu comprar a empresa, na época brinquei, na "boca do caixa", a gente não fez uma estratégia de compra de blocos. A gente entendia que os vetores tão críticos da crise, que seria possível comprar ações todo dia na bolsa e montar uma posição, que hoje está em 46% da empresa, comprando ação na bolsa. A soma desses dois movimentos geram muita atenção na mídia, e saiu boatos, as fake news, que a empresa estaria em litígio. Foi um fato inusitado sim, uma empresa que tinha 3% hoje ter 46%, uma empresa que comprou ações todo dia, devagarzinho. Ele não foi surpreendido, ele sabia desde o começo e apoiava essa ideia.
Como foi tomada a decisão de assumir a posição e o que ela significa?
Foi de encontro à ideia de conceituar os movimentos. Hoje, a Melnick Even está composta por três ações principais: Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. Os nossos resultados aqui estão sendo muito positivos, a gente teve o segundo maior lucro do Brasil no setor, nos últimos dois anos. Temos um maior lucro em Porto Alegre do que as 10 empresas que atuam no Brasil inteiro, isso em valores absolutos, lucro líquido. Em São Paulo, o resultado de todas as empresas de capital aberto ou de não capital aberto ainda é de prejuízo e a gente vem analisando esses resultados. Em paralelo, somou uma série de questões. Aqui em Porto Alegre, fiz um movimento particular, de experiência de vida, de morar na Califórnia trabalhando de lá por videoconferência, me reunindo uma semana a cada mês aqui. A gente está em um viés de ter menos dependência minha como diretor-executivo, porque como a empresa era pequena e cresceu muito rápido, a gente tem um diretoria nova e processos muito centralizados, e fizemos isso para a empresa ter mais autonomia. Fui para lá com essa cabeça e funciona extremamente bem. Paralelo a isso, quando conversei com o CEO na época, Dany Muszkat, que ele queria continuar na Even, mas que era o momento dele dar mais um passo e ir para o conselho, e concordei e assumi como CEO. Dentro do que a lei me permite, então, faz um mês que estou acumulando a presidência do conselho e o cargo de CEO. Está sendo muito legal. A estrutura da Even é muito diferente da Melnick Even, tem diretores de até 20 anos. A gente diminui o número de diretores então, está sendo muito fácil de ser administrada. É muito diferente daqui, onde conheço cada esquina. Lá, conheço o mapa. Então, estou sendo um CEO mais estratégico e aqui, estou querendo ser um CEO menos operacional.
Qual o futuro? Tem um cenário possível de unificação das operações?
Hoje temos algo bem definido. A minha função na empresa é de aproximar os processos, mas não uma unificação das empresas. A Even é uma empresa de capital 100% aberto, em que o fundo Melpar tem 46%, e a Melnick Even é uma empresa familiar, em que a Even investiu. É uma empresa conectada, mas diferente societariamente. A Even consolida a sua parcela de resultados da Melnick Even no seu balanço Even. Então, a gente entende o seguinte modelo, que tem de ser empresas independentes. No mercado imobiliário isso é uma premissa, é algo hiper local. Cada empreendimento é um empreendimento. A ideia é ter empresas independentes com uma capacidade local forte de gestão, mas com aproximação de processos. É quase como modelo de cada Estado nos Estados Unidos, cada um tem a sua peculiaridade, mas com uma estrutura corporativa que controla e permite a geração de troca de práticas.
O Melpar foi criado só para ter essa participação ou pode ter outros movimentos?
Ele foi criado só para essa oportunidade. O que pode ocorrer, não dentro exclusivamente do Melpar, é, consolidando esse investimento, fazer um outro, com as mesmas pessoas ou parte delas com outro grupo. Pode ser em qualquer área, mas isso é só uma tese natural de consolidação de bons negócios, não tem nada pensado.
Como foi a consolidação do projeto do Pontal, que era cercado de controvérsias?
A gente tem esse propósito de empreendimentos que impactam realmente a sociedade. Quando o Saul Boff, dono do terreno, nos convidou para fazer esse empreendimento, a primeira reação foi de entusiasmo, porque não são todos os terrenos em uma cidade que permitem um empreendimento que pode impactar na vida da cidade. Tinha a preocupação do litígio que a gente tem há 30 anos no nosso Estado. Não tinha nenhum problema legal, tinha uma parte da sociedade contrária ao empreendimento e tinha o prefeito da época que não tinha colocado a lei, que era o plano diretor. Tinha uma situação que gerou um plebiscito, coisas que só acontecem em Porto Alegre, para definir qual era o uso da área. A gente entendia que, com cuidado, era possível superar os empecilhos da repercussão negativa, quer era não privatizar a orla, sendo que a orla já era privatizada, não utilizada por ninguém da sociedade, a não ser por invasões. A gente comprou essa briga e deu certo. Contamos com um momento em que a sociedade está mais incomodada com a falta de desenvolvimento. Construímos dentro de uma lógica, que é a principal contrapartida do investimento, em que quase 40% do espaço vamos doar e executar um parque público, que é a fração mais nobre do empreendimento, que é a orla, são 700 metros. Vai ter o parque público, vai ter uma avenida e depois um empreendimento. Mesmo assim, teve pessoas contrárias. A grande demanda da sociedade, que era a não privatização da orla, foi contemplada. A gente não queria privatizar a orla, pelo contrário, a gente queria construir uma orla pública com alto padrão. O diferencial, que é muito bacana, é que o empreendimento privado vai ser um shopping center, que será de uso público. Na realidade, 100% da base do empreendimento, tirando digamos a parte "aérea", é de uso público.
Está previsto no projeto do Pontal o shopping, os escritórios e o hotel. Qual será o hotel?
Tá próximo, tem a chance de definir isso em 30 a 40 dias. A nossa ideia de lançamento é em março. O caminho que estamos definindo é de um hotel internacional de grande porte, que vai ajudar mais ainda o empreendimento e trazer para Porto Alegre mais um equipamento que ajude no desenvolvimento. A gente tem um centro de eventos de médio porte, de mil e poucos metros quadrados e conectado a um hotel e também a uma hub da saúde do Moinhos de Vento. Vai ter equipamento legal com um bom sobrenome.
Momento de incerteza, em que o mercado normalmente se retrai, os preços também. Essa é a hora de entrar no mercado?
Os preços caíram muito, os preços caíram mais de 30% a 40%. Na minha visão, estão no fundo do poço, por várias questões. Hoje, o preço de venda da maioria dos imóveis não é replicável, tu não consegue lançar um empreendimento, para ter uma margem razoável, e vender pelo preço que está vendendo. Acho que o preço deve mudar. No Rio de Janeiro, o preço está descolado de um preço de viabilidade. Em São Paulo, está muito baixo. Em Porto Alegre, o preço desceu menos, uns 15%, 20%. Aqui está assim porque a prefeitura não conseguiu viabilizar obras e teve menos oferta, menos estoque e o preço caiu menos.
A análise macroeconômica é caseira ou conta com suporte externo?
É caseira, é muito mais uma característica da direção. Um exemplo, não basta tocar um barco, tem de olhar a meteorologia. Não tem como não ver a meteorologia, e tem gente que tem de olhar somente para a empresa. Ainda mais no Brasil, em que a meteorologia é de tempestade e, às vezes, algum solzinho. Não tem um estudo tão profundo. Não é algo que ache que tenha de ter um grande investimento de tempo. Está na essência de valores..
Há a possibilidade de internacionalização da companhia?
A gente não tem esse cenário empresarial. A nossa estratégia é totalmente Brasil e com muito foco no Brasil e no Rio Grande do Sul. Não está nos nossos planos nem empreender fora ou mudar de residência definitivamente.
Essa parceria no hub da saúde, com o Moinhos de Vento e outros parceiro, é permanente? Quais são os próximos passos?
Vamos inaugurar o de Canoas primeiro, ele está com previsão de entrega para setembro do ano que vem. O hub da saúde tem o poder de impactar na vida das pessoas diretamente. A gente fez um estudo de como a saúde se comportava em cidades no mundo inteiro, principalmente nos Estados Unidos. O conceito de hub, que uma unidade de alta complexidade, que é um hospital, e o serviço da saúde, que são exames de imagem e serviço de baixa complexidade. A pessoa não precisa sair de Canoas para fazer uma boa tomografia no Hospital Moinhos de Vento, mas ele precisa ir pro Moinhos de Vento ou outro equipamento de alta complexidade para fazer uma cirurgia de grande porte. A estratégia foi criar uma estrutura de alta complexidade e dividir a cidade em microcidades de 500 mil pessoas e, em cada eixo, criar uma unidade de saúde de baixa complexidade. Está tudo dentro do cronograma. A gente lançou, nos últimos 12 meses, seis empreendimentos e a média vendida foi de 90%, 85% de cada um deles. A gente está indo muito bem este ano. O nosso lucro líquido é o segundo maior do país.
Tem alguma coisa na ponta da venda sobre essa discrepância com o mercado?
Tem muito de produto. Temos uma oferta muito menor na cidade. E, do ponto de vista comercial, acho que 70% é do produto mesmo, a gente tem uma estratégia que tentamos convergir vários braços. Temos as nossas imobiliárias próprias, que respondem por 30% das nossas vendas, temos uma rede muito grande de pequenas imobiliárias, que talvez seja a maior rede do Brasil. Não tem nada de extraordinário em termos de diferença, são as mesmas campanhas de bonificação, cada uma com suas dosagens. Tem um bom marketing. São várias facetas no processo.