A incerteza que ronda o programa econômico do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) desde antes de o então candidato ganhar o reforço e a chancela de Paulo Guedes, economista formado em Chicago – referência para programas liberais pró-mercado –, acentuou-se às vésperas de sua eleição. Se já havia um jogo de tese e antítese entre o passado nacionalista e estatizante do capitão reformado e o não intervencionismo agudo do economista, entraram no jogo o grupo de militares de alta patente que atua na campanha e o deputado federal gaúcho Onyx Lorenzoni (DEM). Na sexta-feira, Bolsonaro deu uma entrevista ao site Poder360 que alterou mais uma vez alguns conceitos de sua campanha.
Primeiro, condicionou o poder do próprio Guedes, que já havia sido apresentado como superministro, unindo as pastas da Fazenda, do Planejamento, da área de concessões e privatizações e, ainda sob suspense, a Indústria e Comércio – a inclusão enfrenta resistência empresarias. Mas o tom da resposta sobre a definição de cargos na equipe econômica, especificamente no Banco Central, que seria território cativo do liberal, surpreendeu:
"Já conversei com o Paulo Guedes. Ele tem uma lista de nomes para a equipe econômica e muitos já são do meu conhecimento. Vou conversar com o Paulo Guedes e quem depois vai bater o martelo é o Onyx, que será o coordenador de tudo. O Paulo diz que tem bons nomes e nós temos de conversar, pois sempre pode aparecer alguém com ideias um pouco melhores. Não quero falar agora, pois se alguém cita um nome do governo Temer, vão generalizar e não é assim. Nem todos os que estão com o Temer não prestam e nem todos prestam".
Se não terá a última palavra na definição de sua própria equipe, o "superministro" Guedes começa a ter superpoderes revisados. Como ele, serão relativizadas suas ideias? É a questão para a qual analistas e empresários, focados na chancela do liberal Guedes ao estatista Bolsonaro, vão procurar respostas nos próximos dias. Outra surpresa recebida com incredulidade foi a visão de Bolsonaro sobre o papel do Banco Central:
"Falei para o Paulo Guedes: temos de estabelecer metas para dólar, inflação. Aí, a taxa de juros. O presidente do BC terá liberdade para decidir dentro de parâmetros. O controle da inflação não pode ser apenas taxa de juros."
Além de condicionar a autonomia do BC, soa como questionamento ao “tripé macroeconômico” – nada mais do que a combinação das políticas de responsabilidade fiscal, controle da inflação e regime de câmbio flutuante – ou seja, sem “meta”. Consultado pela coluna, Sidnei Nehme, diretor da NGO Corretora de Câmbio e reconhecido especialista no tema, reagiu assim:
– Isso não é possível. Deve ser um equívoco. Metas para câmbio não funcionam. É uma taxa que tem vários vetores, não é desejável que se criem amarras. Até a China, conhecida por administrar o câmbio, criou mecanismos que flexibilizam o sistema de acompanhamento.