A rede McDonald’s anunciou a retirada do cardápio de sua última novidade: o McPicanha. Decisão motivada pelos protestos dos consumidores ao descobrirem que o tal hambúrguer não levava picanha.
O que me pergunto é: como é que alguém pode acreditar que o referido lanche teria picanha? De que planeta chegaram? Eu tinha sete anos quando comprava meu chiclete Ping Pong sabor tutti-frutti e já sabia que a relação dele com frutas era uma aproximação poética, apenas um nome. Aliás, um bom nome, a língua italiana soa bem na gramática gustativa.
As pessoas ainda não se deram conta das regras do jogo? A indústria alimentícia brinca com as palavras, ela sabe que nós comemos os significantes junto com a comida. Até é difícil saber qual é o mais importante no prazer. Somos seres sedentos de significados, até os falsos nos interessam e nos comovem. O nome de um prato, de um produto, é parte de seu destino e nem sempre tem conexão com a realidade.
A referida rede é especializada em lanches, em sua matriz americana ela faz comida popular. O negócio deles é comida acessível aos bolsos mais modestos. Por isso eles vendem carne moída. Nessa modalidade é possível aproveitar sobras de cortes menos nobres ou mais duros. Como alguém entra em um lugar famoso por gourmetizar o guisado, aliás nada contra, pensando que receberá picanha?
A palavra picanha faz salivar. Remete ao sanguíneo, ao proteico, ao sabor da verdadeira carne. Há algo de selvagem na picanha. Ela promete um equilíbrio positivo com a gordura. Da picanha brotaria uma umidade divina que faria o casamento perfeito com a farofa. A picanha é a carne mais propícia à cinematografia do churrasco, e aqui está a chave.
Cá entre nós, de gaúcho para gaúcho, a picanha não é tudo isso. Repare: os entusiastas não são lá muito vaqueanos em tipos de carne. Sabe aqueles que vão pela onda, pelo prestígio que o nome picanha alcançou? Picanha é coisa de paulista. Carne difícil, depende do ponto e do corte preciso para não revelar seu parentesco próximo com o coxão duro.
Esse pessoal rebelado é parente dos que vão a uma pizzaria de rodízio e reclamam que não há opção saudável. Concordo em comer natural e com equilíbrio, mas será que eles foram ao lugar certo? Creio que isso revela uma tendência de responsabilizar os outros pela saúde do nosso prato.
A picanha é antes uma boa imagem do luxo da carne apetitosa do que um bom corte. O pessoal do marketing sacou e tentou emplacar um prato com essa simbologia. Quis emular o espeto corrido, o astral da churrascaria, o churrasco de domingo. Então chegou o pessoal desmancha prazeres do rei está nu. Gente, ele sempre esteve.
Não foi a rede de fast-food que sequestrou a picanha. Foi o preço proibitivo da carne. O Brasil anda mascarando a verdade da fome com lero-lero de hambúrguer falso.