Esta geração talvez não entenda, mas vamos lá: no começo era Deus, Google veio depois. Não o contrário como alguns supõem. Portanto existiu um mundo sem Google. Verdade, sou testemunha. Como então que nós, os antigos, nos virávamos sem o supremo oráculo da internet? Simples, usávamos enciclopédias genéricas.
Calma, eu explico. Trata-se de um livro em vários tomos com verbetes em ordem alfabética. Vários, pois em um só, este livro seria impraticável pelo volume. Cada família de posses tinha uma. Sendo de papel, não necessitava de wi-fi nem de luz elétrica. Salvo à noite, embora funcionasse também, com resultado similar, à luz de velas ou lampiões.
Usar enciclopédias era em si uma arte e um aprendizado sobre a árvore do conhecimento. Afinal, a enciclopédia genérica era a porta de entrada, adquirir o significado básico para depois nos remeter aos outros livros. É difícil avaliar quanto a facilitação pelos dispositivos de busca possa enfraquecer nossa capacidade de encontrar e organizar mentalmente o saber, ou ainda de pensar o conhecimento como fragmentado.
Gostava das enciclopédias temáticas. A Tecnirama era sobre tecnologia, física e química; a Naturama, sobre biologia, focada no reino animal; a Conhecer sobre tudo, mas não por verbetes, aleatória, como uma revista científica encadernada.
A propósito, havia enciclopédias infantis. Réplicas das dos adultos, mas lúdicas, com volumes só de histórias e poesias. Outros tomos eram dedicados a como fabricar brinquedos, às festas populares e suas canções, ou ainda de como jogar jogos de tabuleiro. O Mundo da Criança era a mais popular.
Quando precisávamos dar nossas palavras ao que tínhamos retido da pesquisa, era necessário folhas de papel almaço pautado. Eram folhas de um branco desmaiado, compradas soltas, tamanho aproximado ao A3. Vinham dobradas e assim eram usadas.
Também usávamos uma máquina incrível. Acreditem, automaticamente, ao mesmo momento em que se digitava, ela já imprimia. Em caso de erro era recomeçar, ou passar um delete líquido branco por cima.
Para ilustrar era na base do desenho. Permitido copiar, geralmente por transparência, colocava-se um papel fino que permitisse ver a figura a ser copiada. Outro recurso eram as decalcomanias, figuras prontas. Colocadas em água soltavam-se da base e aderiam a qualquer superfície lisa. Frágeis, exigiam tal perícia que era mais fácil desenhar.
Gostava de usar mais que os dedos para aprender, do trabalho braçal de carregar aqueles livros enormes, distribuí-los pelo chão e mover-me entre eles. Havia uma concretude nos trabalhos escritos à mão, sensação de dever cumprido, mesmo com os borrados, com as pontas dobradas. Sobrando tempo, a delícia era se perder dentro das enciclopédias, espantando-se com o tamanho do mundo.