Há uma curiosa mistura entre os grandes e os pequenos temas da humanidade. Por vezes, restos arcaicos de outros tempos fazem eco em nosso pensamento. É assim com o patrimônio de uma família quando chega a hora de compartilhar. Um espólio parece ser apenas de bens, mas sabemos que as disputas são também por memórias e ressentimentos. As brigas familiares em torno desses legados, que podem ser desde extensões de terra a um simples bibelô, remontam a milenar relação dos homens com suas posses.
O antropólogo George Foster, pesquisando sociedades camponesas, notou uma lógica operante nelas que chamou de "concepção do bem limitado". Funciona assim: numa comunidade rural tradicional de produção familiar, se alguém se destaca ao produzir mais que os outros, portanto acumula mais, é visto com desconfiança. De onde veio essa riqueza? Os vizinhos se perguntam. Raciocinam como se a riqueza geral fosse constante, limitada e equilibrada. Portanto, se alguém tem a mais, é porque teria pego dos outros. Evidente que não corresponde à realidade, é uma percepção para os que se sentem com menos. Tampouco eles saberiam dizer o que teria sido "roubado".
Por alguma razão, a ideia camponesa do bem limitado, demarcado pela terra e seus frutos, é parecida à lógica dos bens familiares em algumas famílias, não todas. No momento da distribuição do espólio, muitos tendem a pensar dessa maneira. Raciocinam como se toda riqueza tivesse vinda dos pais, o que cada um fez a mais no mundo não conta.
Um filho que se destaca não é visto pelos irmãos como quem deu seu jeito, se esforçou mais, estudou mais, talvez tenha conseguido negociar as sinas e pendências com mais leveza. Para os outros irmãos, o que lhes faltou de sucesso deve ter sido recebido pelo outro. Um deles teria sido privilegiado pelos pais. Logo, o fracasso de um irmão é a prova que ele teria sido usurpado pelo outro.
A distribuição do reconhecimento e dos afetos familiares não pode ser medida em hectares nem sacas como é na economia. O destino de cada filho é imprevisível. Porém, quando essa percepção infantil insiste na vida adulta, a única riqueza que vale acaba sendo a que brotou da terra familiar.
Existem casos de roubo e trapaça real, mas geralmente os atoleiros dos litígios por herança são fruto da persistência dessa concepção antiga. Os filhos, que aos seus próprios olhos julgam-se fracassados, exigem compensação financeira pela suposta desigualdade. O subtexto é: se eu não sou nada é porque não ganhei oportunidades.
O dinheiro é a fachada para o título de mais amado pelos pais. A única coisa que importa para quem emocionalmente nunca saiu da esfera familiar. Também poderíamos dizer, para esses desterrados da infância.