Existe um experimento clássico que foi criado para pensar questões éticas: o Dilema do Bonde. Imagine um bonde desgovernado que vai atingir cinco pessoas. Apertando um botão você pode mudar a rota do bonde para um trilho onde há apenas uma pessoa. Você apertaria? Trocaria cinco vidas por uma? A maioria das pessoas diz que sim, afinal é uma redução de danos, uma questão matemática, cinco vidas valem mais do que uma.
Vamos trocar uma das variáveis. Temos o mesmo bonde desgovernado só que agora a maneira de salvar as cinco pessoas é empurrando um senhor obeso, que está em frente aos trilhos. Seu peso é que vai frear o bonde salvando os outros. Muitas das pessoas que diziam que apertariam o botão, agora dizem que não conseguiriam executar essa tarefa. Mas não era uma questão matemática, trocar um por cinco?
Não vou entrar na polêmica ética, me interessa analisar a mudança de posição subjetiva. O que muda do primeiro experimento para o segundo é a presença real dos corpos. O corpo do candidato a salvar as cinco vítimas empurrará o corpo da vítima sacrificial. Quando os outros são abstratos e longínquos, temos uma atitude, quando estamos em presença efetiva do outro, temos outra.
Perceba como tudo isso é abstrato, mas mesmo assim, só antecipando o encontro real de corpos é suficiente para uma mudança de postura. Adendo, quando o experimento é feito escaneando o cérebro, percebe-se que o sujeito pensa nas duas possibilidades em lugares cerebrais distintos.
No trânsito, fica fácil observar a diferença entre essas duas atitudes. Motoristas fazem grosserias dirigindo, que jamais ousariam caminhando na calçada. Nas ruas, protegidos por uma casca de metal e vidro, criam a distância necessária para as bravatas. Por isso, o trânsito é um tom acima de irritação e agressividade.
As redes sociais funcionam na sociabilidade do primeiro tipo, onde o outro é abstrato. Isso explica a aspereza e a gritaria desnecessária até para assuntos banais. As redes sociais são uma experiência de sociabilidade, nesse sentido, distante, menos visceral. Isso não é um problema quando ela é apenas uma das facetas da vida social. A questão pega quando se troca a sociabilidade real pela virtual.
Quando se passa mais tempo na tela do que ao vivo, o sujeito passa a acreditar que o mundo é ainda pior do que já é. E convenhamos, os tempos não andam fáceis para andar por aí guiado por realidades alternativas.
A pandemia nos empurrou para a virtualidade, era o que tínhamos à mão. Mas quando ela nos deixar, a primeira tarefa é voltar aos encontros tão rápido quanto possível. Existem coisas que só acontecem na presença real, quando o outro está de fato na nossa frente. Só vamos desarmar os espíritos na volta do olho no olho, no aperto de mãos.