Olho para as aglomerações com dois sentimentos distintos, repreender por ser um risco desnecessário, mas entendendo que é um protesto vital, uma pulsão de vida. Somos seres sociais, nossa felicidade, nossa razão de existir passa por circular, por buscar afeto e reconhecimento. Nossa essência é aglomerar.
As crianças são as que mais sofrem. Ficar sem escola produz atrasos na socialização e também cognitivos. As crianças crescem no atrito com seus pares, imitando-os, sendo desafiadas pela diferença. As crianças aprendem muito mais com a transmissão lateral geracional do que se acredita. Essa geração vai ficar marcada pela pandemia mais do que os adultos.
O que dizer dos mais velhos, que não contam com a fartura de tempo pela frente, encerrados em casa longe do afago da família e do barulho dos netos.
Os pedidos de ficar em casa, de não circular, soam antinaturais até porque de fato são. Por isso, uma parte nossa começa a arriscar, a pensar que já não há mais perigo, a mentir para nós mesmos que não há tanto problema em ver a família e os amigos. O fato é que ninguém aguenta mais a privação social e ela, infelizmente, ainda se faz necessária.
O drama é que não domamos a situação. A vacinação está lenta, comparada a outros países, e uma terceira onda, ainda mais mortífera, está anunciada. Vale lembrar, os epidemiologistas que nos alertaram para as ondas anteriores acertaram. Por que estariam errados agora?
Eu entendo o drama do cansaço, da angústia e depressão que a reclusão social traz, mas vamos ter que nos segurar por mais tempo. Os riscos são enormes. Eu mesmo passei maus bocados: sem nenhuma comorbidade, médico para mim era oculista, por pouco não conheci o que existe do outro lado.
As novas cepas rebaixaram a idade média dos óbitos. A covid-19 deixou de ser uma doença de velhos, doentes ou imunodeprimidos, ela pode levar qualquer um. É uma loteria macabra, ninguém pode prever como cada corpo vai reagir ao vírus. Eu estava hospitalizado em fevereiro quando, para surpresa do corpo clínico, começaram a chegar e morrer jovens, até então, saudáveis.
Nós temos três caminhos para sair disso: vacina, vacina ou vacina. Use sua indignação para reclamar por elas. Só assim evitaremos esse efeito sanfona desafinada que abre e fecha sem ritmo. Países que apostaram tudo nelas estão tirando as máscaras e recuperando suas economias. Nosso governo caiu e insistiu no erro de pensar esse vírus como similar à epidemia da H1N1, de uma década atrás. Quem admitiu a natureza particular da covid-19 já está saindo dessa.
Em poucos dias contaremos meio milhão de brasileiros mortos. Não seja um desses. Falta pouco, nós vamos sair disso, não vamos esmorecer e morrer na praia. Tenho certeza de que inventaremos uma maneira de recuperar o tempo perdido.