Difícil dizer quando acabará a pandemia, ou ao menos as restrições sociais, mas a tarefa mais urgente depois deste período me parece óbvia: usar menos as telas.
Vai ser difícil, pois graças a elas nossa vida na pandemia não foi pior.
O problema é que elas não nos fazem bem e o preço de seu uso é caro demais. Antes da pandemia, os indicadores dos norte-americanos para problemas dos seus adolescentes já não eram bons. Foi notada uma alta de sujeitos que nessa fase se mutilam, se suicidam, estão deprimidos ou queixam-se de solidão. Isso vinha crescendo desde 2012. Esse período bate com a expansão do uso dos smartphones. Mais ou menos quando também as mídias sociais se tornaram onipresentes, ou seja, você não existe se não está usando uma. O que era estressante piorou quando as mesmas mídias adotaram o botão de like e quando os algoritmos usados para selecionar material passaram a escolher o que gera mais emoção.
Eu sou o primeiro a desconfiar da demonização das mídias. Lembra a conversa de que os gibis acabariam com a leitura séria, que a TV destruiria o cérebro dos nossos filhos, que os videogames tornariam os jovens mais violentos. Nada disso se confirmou com estudos e pesquisas a longo prazo. Por que desta vez seria diferente?
Porque agora temos um dado alarmante: pela primeira vez, desde que se começou a medir, o QI dos pais é maior do que o QI dos filhos. Tenho minhas restrições com testes de QI, mas, embora sejam apenas testes aproximativos, eles dizem algo. Um livro que está sendo traduzido, do pesquisador em neurociência Michel Desmurget, A Fábrica de Cretinos Digitais, é muito claro sobre esse ponto. Se antes a preocupação era sobre piorar o comportamento, nesse autor a inquietação é sobre a aquisição cognitiva.
Não terminei de ler o livro e já estou preocupado, a argumentação e os dados são sólidos. De fato, crescer em um ambiente digital pode emburrecer. Se você está preocupado com o desenvolvimento sadio do cérebro do seu filho, melhor se preparar para a difícil tarefa de convencê-lo a usar menos telas. Hoje talvez seja mais importante desenvolver com os filhos hábitos que prescindam delas do que encontrar boas escolas.
Será uma empreitada difícil tirar os celulares da vida dos pequenos e dos adolescentes. Primeiro, porque os adultos dão mau exemplo: estão sempre grudados neles. Segundo, porque é confortável, pois pais exaustos os usam de babá. Terceiro, porque é uma briga contra uma indústria poderosa. Se o lobby do cigarro conseguiu comprar médicos para dizer que cigarro não faz mal, o que dizer agora sobre o acesso às telas? Veremos profusa contrainformação afirmando que o uso excessivo de telas não dá nada.
Smartphones podem ser traduzidos por espertofones. O que não sabíamos é que os espertos eram eles e os idiotas éramos nós.