Minha avó paterna, Olga, morava numa casa ao lado da nossa.
Foi a melhor pessoa que conheci, bem-humorada, e nos defendendo, meu irmão menor e eu, da severidade de seu filho, nosso pai, quando fazíamos desordens.
Eu não me cansava de ouvi-la falar com ele como filho, dizendo “Arthur” à moda alemã com acento no A. Parecia estranhíssimo aquela mulher grisalha, baixinha, às vezes ralhando com nosso pai. A gente adorava aquilo.
Minha avó Olga falava os dois idiomas, pois éramos de várias gerações no Brasil, mas algumas expressões vinham em alemão e se gravaram em mim.
Uma delas era die Welt geht unter (o mundo está acabando). A graça eram os motivos, como quando meu namoradinho de 18 anos (eu com 15) voltou de férias no Rio onde tinha família. Vestia calça jeans, camiseta amarelo-ovo, tênis e meias da mesma cor ofuscante.
À medida que ele chegava, ela se virou, sacudiu a cabeça e soltou o inevitável fim do mundo.
Hoje, com os indescritíveis horrores ao nosso redor, penso que ela teria de escolher outros termos, talvez “o inferno chegou!!!”. Ou “viva Satanás!”
Isso me ocorre hoje, e me dá muita saudade dela, vendo a vergonhosa postura de homens e mulheres que deviam ser modelos e líderes se engalfinhando, insultando, descabelados e salivantes, seus colegas, plateia atônita, envergonhada ou cúmplice, enquanto fatos criminosos são tratados com cinismo.
Tenho vontade de chorar, gritar, escrever com virulência.
Mas a certeza de que vai cair no vazio pestilento me detém.
O que vai ser de nós? Quem somos e seremos?
Para não desabar porque preciso cuidar da saúde e ainda amo a vida, olho o jardinzinho na sacada do meu quarto e penso que nem tudo causaria a indignação de minha amada avó Olga quando nós adolescentes ainda achávamos graça de horrores tão mais inocentes.