O mar dos meus amores é turvo de desencanto. Não é azul nem verde: é marinho.
Na crista do sonho, um raro gesto faz desmaiar sereias no mar das minhas dores, escuro do naufrágio do mundo. O cavalo da espuma deixa pelo caminho a luz dos momentos que são mais que muito: são tanto e tão fundo.
O que não posso dizer, o que não cabe em palavras, o que não é para olhares profanos; o que é calado e remoto, meu mais secreto destino como o reverso das ilhas; maremoto mar marinho calado alado e sonoro: mais que navego, imagino.
Pintei o cenário, varri a plateia, arrumei os bastidores. No camarim, frutas e champanha: eu seria a personagem principal.
Depois me sentei no palco. Repassei minhas falas, provei minhas fantasias – e me pus a chorar: nada fazia sentido, nada era meu. (Eu não era eu.)
Viver é todos os dias partejar a vida. Ela nasce com cabeça grande demais, muitos braços.
(Às vezes sem pernas.)
Abro meu ventre e minha alma se arreganha como o corpo de uma parturiente. Dar à luz dói e faço isso todos os dias: abro os olhos para a manhã no quarto e começo a parir. Mas nem tudo é ruim. Posso escolher o sexo e a cor dos olhos de cada momento. (Mas nem sempre.)
A parte dura desta humana lida é dizer sim na hora do não, escolher mal entre silêncio e grito, entre a noite e a explosão do dia; ceder quando devíamos negar, dizer não em lugar de afirmar, partir quando era bom amar, fechar-se em vez de abrir a alma toda, e confiar. Sermos tão incertos e indecisos, perdendo o trem, a hora, o agora – mas a gente não sabia.
Então sento-me aqui, neste refúgio, abro a gaveta, e salta uma palavra: dança sedutora sobre o meu cansaço, veste-se de indefinições, vagueia no labirinto das ambiguidades. Acha graça de mim, que espero à frente encontrar a solução dos meus enigmas. Tento uma geometria que a contenha no espaço entre dois silêncios quaisquer, mas ela decide meus passos: peso de fruta no sono da semente, assiste à minha luta quando a desejo aprisionar e, às vezes, até finge que sou eu a senhora, a domadora, a fonte.
Quando entre as almas estarrecidas de se precisarem tanto só restar a dimensão da pele irredutível; quando bocas mastigarem as raízes da paixão; quando não se distinguir o dar do receber; quando entre um e outro desejo se altear o derradeiro grito da consciência e a solidão tranquilamente vier se desnudar: não haverá mais que anjos delirantes e tristes, amando-se infinitamente pelos cantos, a chorar.
As palavras riem dos poetas, pois são livres: nós, mediação incompetente. Porque vemos pouco, vemos insuficiente, vemos errado, plantados num ponto cego.
(O ponto cego é um fenômeno da visão humana segundo o qual, conforme convergência e refração, pode-se ver o que habitualmente permanece oculto: a possibilidade além da superfície, o concreto afirmado na miragem. Assim eu inventei, assim eu decretei, assim é. Isso, para mim, é arte.)