Não queiram que eu escreva só coisas românticas, poéticas, docezinhas. Minha alma de momento está em fúria, em conflito, bradando por paz, saúde, algum conforto nesta fase em que tantos sofrem, morrem, são atropelados pelo que chamo Doença do Diabo, enquanto outros conseguem manter suas vidas normais, praia, festa, viagens. Ou sossego. Quero algum horizonte.
Sei que é culpa de ninguém essa espécie de apocalipse que trava o mundo e mata gente. Isso é um lamento meu, talvez porque depois de um ano de isolamento quase total, vendo pouco a família, saindo quase nunca de casa a não ser para me transportar, mascarada e “alcoolizada”, da casa de Porto Alegre para a casinha de Gramado, estou, como todos, me cansando. Sem ver luz no fim do túnel, ou um vaga-lume débil, ou, como diz alguém menos otimista, o que se enxerga é a luz de um trem que vem vindo.
O que será de nós depois de acalmada essa onda de doença e morte no mundo, com países civilizados seguidamente tão desamparados como nós, os do rabinho da civilização, por geografia e cultura?
Ninguém sabe. Há quem diga que todos vamos melhorar, mais solidários, mais amigos, mais generosos. Tenho minhas dúvidas. O horror ao diferente cresce, com o medo do que o outro possa me transmitir. Seremos então mais xenófobos? Muito possível. Mais fragilizados, mais pobres, mais raivosos, em geral. Penso assim. Claro que os bons, individualmente, talvez se tornem melhores pela compaixão, pelo sofrimento, e os maus se tornem piores pela raiva, sentimento de injustiça, por que eu, por que eu? – esquecendo que sofre o planeta.
Não tenho nenhuma ilusão de que tudo ficará bem, ou “normal”, em algum tipo de novo normal que inventaremos atabalhoadamente, sem receita, sem comando, sem clareza de visão. Sem projeto. Ou sim? Teremos de construir um novo modo de ser e pensar, de viver e conviver suportável, menos apavorado, menos nervoso, e mais responsável – porque muitos ainda não assumem responsabilidade alguma, e vivem como se tudo fosse praia, balada, o que é ruim apenas sendo maldade dos ricos, invenção da imprensa, coisas assim.
Quando estou escrevendo esta coluna sem muita alegria nem graça, mais uma notícia me chega: morre, pela Doença do Diabo chamada covid, mais uma amiga linda, generosa, alegre, que fará muitíssima falta à família e às amizades. Sofrimento duro, semanas de hospital, aparentemente um contágio que atingiu a família inteira, ela escolhida pelo Destino para não aguentar, e partir. Quantos mais virão?
Antes de assumir esta coluna, eu tinha acabado de traduzir um trechinho do livro de Hermann Hesse que devo terminar em breve, onde ele fala da morte do pai, a quem contemplava na antiga casa paterna, vendo-o tão calmo, impassível, ausente: “A cordinha se rompeu, e o pássaro voou, livre”.
Na literatura tudo é bem bonito. Na verdade, corta o coração, que sangra... às vezes para sempre.