Há dias comentei com uma amiga sobre as mudanças na nossa vida nestes tempos estranhos e preocupantes, às vezes terríveis, com frestas, fendas, de claridade e beleza, afeto e paz.
Comentei que a amizade, entre tantos afetos, era como um jardim tranquilo onde andamos de mãos dadas, ou isolados, ou abraçados, nos sentamos em bancos, olhamos as plantas, as nuvens, um ao outro, trocamos ideias e silêncios, em resumo, curtimos uma das boas coisas desta vida.
E comentamos também que, neste momento de isolamento pessoal (não gosto de “social” e já expliquei por que), a palavra escrita adquire um valor maior. Seja em WhatsApp, seja em e-mails, nestes sobretudo, porque aí podemos nos estender melhor.
Se assim for, trocar e-mails com amigo ou amiga é como entrar nesse jardim um pouco secreto, onde nos aproximamos sem nos aproximar, nos tocamos sem contato, nos alegramos ou até magoamos de uma maneira quase etérea, aérea, e aprendemos novos jeitos de sermos humanos.
Algo de bom tem de acontecer, nesta fase tão dura. E a internet, que tantos criticavam sobretudo porque absorveria demais os jovens, tornou-se esse campo de flores de Drummond, num dos poemas dele que mais amo, que começa “Deus me deu um amor no tempo da madureza...”, e posso dizer, em vários casos, que me deu alguma nova amizade, ou reforçou amizades que pareciam quase supérfluas porque tão naturais. Ninguém imaginaria um tempo em que a gente não pudesse se encontrar, se reunir, num pequeno grupo, trocar risadas e novidades, beber um gim-tônica à sombra de uma das lindas árvores do nosso clube preferido, pequeno e acolhedor, ou na casa de uma de nós, ou, enfim, como já fiz muito, num lugar mágico como era o atelier da Lou Borghetti, que frequentei por tantos anos e do qual ainda hoje sinto uma falta pungente.
Amigo é aquele de quem, de repente, sentimos essa falta, física, concreta, da voz, da mão, da risada, do olhar, que buscamos e achamos nesse lugar meio novo, no WhatsApp ou no e-mail, que começa a se revelar a mim como fonte de diálogo, mas com que antes implicava um pouco. Não dispenso a voz do telefone, com seus recados e silêncios, a presença física com seu contato, mas às vezes o jeito é se conformar.
Quero deixar claro, antes de encerrar, que nada, nada, nada, substitui a família entrando pela porta, todos reunidos em torno da mesa de jantar, depois dos abraços, dos carinhos, dos comentários do tipo “como esse menino cresceu”, ou “vocês estão cada vez mais lindas”.
Mas pelo menos temos isso, a internet, o computador, o celular, a magia que não é a de fadas e duendes, unicórnio e príncipes encantados de décadas atrás, mas um pequeno milagre aqui à mão, para consolar do quanto às vezes estamos sozinhos: o jardim das palavras escritas.