Numa simpática entrevista, alguém me pergunta se acho que as pessoas buscam significados para as loucuras, confusões e desgraças desta pandemia – na qual a maioria nem consegue mais ouvir falar, embora sofra na carne ou na alma as suas consequências.
Fingimos até que ela nem existe, que é invenção de sistemas e lideranças corruptas ou ávidas de nos colonizar, enfim, tudo o que permite a perigosa mistura de desinformação, má vontade, arrogância e medo.
Não sei se normalmente buscamos significados.
“O sentido da vida” parece quase antiquado e esdrúxulo na correria da vida moderna, quando não temos mais tempo, vontade ou lugar para contemplar um pôr do sol, escutar o vento nas árvores, olhar crianças brincando, ou responder com calma e amor quando uma delas vem contar, como certa vez uma de minhas netas, que ela e o pai acharam no jardim um passarinho morto, “e a gente plantou ele na terra”. E certamente ela e eu acreditamos piamente que dali nasceria uma árvore de passarinhos, que iriam voar pelos céus muito acima da nossa banalidade.
A maioria de nós não busca significados, porque nem tempo para refletir lhe resta: ocupamos todos os espaços com atividades, está na moda, até crianças, quando em situação normal, parecem pequenos executivos com agenda cheia ou quase cheia. E possivelmente nos atordoamos um pouco, pois alguém me disse “parar pra pensar? nem pensar! se paro pra pensar, eu desmorono”.
A vida é outra, é agora, as relações são outras, embora os sentimentos não tenham mudado: todos queremos presença e atenção, afeto, escuta, colo ou ombro, alegria, prazer. Mas falta, intensamente, imensamente, o convívio normal com família e amizades especiais, a pequena liberdade de almoçar fora com uma amiga, de levar netos e netas para a casinha da serra, de trocar ideias, sérias ou divertidas, com filho, filha, noras e genro, e, enfim, ser uma pessoa normal, dentro do que julgo normal: menos louco, menos oprimido, menos assustado do que agora, menos doutrinado e tantas vezes mal doutrinado.
Então vamos nos divertir, porque aprender é muito chato, somos maus alunos, queremos nossa vida, nossos limites (largos, por favor), nossa opinião, estamos exaustos de pandemia e cuidados, mil recomendações, deprimente tudo isso.
Como, onde, então, buscar algum significado para as centenas e centenas de milhares de mortos, de sequelados, de enlutados, com esse vírus insidioso, traiçoeiro, maligno e tantas vezes mortal? Estamos cansados. Estamos deprimidos. Ninguém nos diz por quanto tempo teríamos de nos cuidar, de nos isolar, de viver uma vida mais sossegada, mais contemplativa, mesmo que o dia todo grudados nos notebooks e celulares e computadores com as imagens consoladoras de pessoas queridas.
Um ou outro, sim, refaz seu senso de vida, de relacionamentos, torna-se mais amoroso, mais aberto, mais generoso, e mais coerente consigo mesmo.
Mas para a maioria é tudo insuportável, então vamos infringir. Doloroso engano, achar que pular por cima dos limites sensatos é encontrar a fruta mais gostosa e a diversão maior.
Não é esse o significado do que nos acontece agora.