Quanta coisa na infância parecia bonita ou engraçada e hoje entristece ou enoja.
Por exemplo, pegar caramujinhos no quintal, umas lesmas que grudavam ou sugavam os dedos da gente e jogávamos longe, pulando e gritando.
Hoje comemos bichos iguais com apelidos bonitos e achamos chique, escargots. E Deus nos livre de não gostar, seremos incultos... quem se importa? Diz a Lya de 10 anos sob o olhar horrorizado da mãe...
A gente se calava ao ver o avô gritar com o ajudantezinho do jardineiro e puxar as orelhas do pobre, e hoje estamos em grupos de liberdade e respeito pelas pessoas mais simples. Ficamos menos agressivos? Tenho minhas dúvidas.
O avô dizia rindo: “Elas têm de crescer mais...”.
A gente chamava de “gorda” a menina dos vizinhos, e anos depois eu era ainda mais, e ela nunca me cobrou isso...
Em algumas coisas eu era do contra: chorei alto no cinema com minha mãe, porque tinha pena do Gordo, e suas trapalhadas, de que todo mundo ria? Minha mãe, furiosa, jurava nunca mais me levar ao cinema e em casa se queixava pro meu pai: “Parece doida, era tudo comédia e ela chorando alto!”.
Apesar disso, a gente vai se construindo, cada um do seu jeito. Chorona, arrogante, tímida, segura de si, amorosa ou fria, parceira ou ladina.
Paro pra pensar, e eu?
Fazendo 83 anos cada vez sei menos, e isso me assusta e me diverte um pouco.
E, às vezes, me dá um pouco de pena, como as orelhas vermelhas do pequeno jardineiro, porque dói.