Em tempos como este, de várias crises sobrepostas, predominando agora mundialmente a covid, e no Brasil tantas mais, política, econômica, não tenho, não temos nós, colunistas, em geral, escrito coisas muito róseas.
Vai daí que uma velha amiga, dos tempos de colégio, me liga carinhosamente pedindo que eu escreva “coisas mais alegres, para animar as pessoas, pois estamos todos muito pra baixo”.
Concordo com estarmos pra baixo, ou por baixo, ou de baixo-astral, porque as notícias gerais, e experiências pessoais, não estão para cantar em roda de samba como certo prefeito (não o nosso) em dias recentes, sem máscara. Depois pediu desculpas, o que começa a ser rotina, a gente faz uma besteira e se desculpa.
Estamos, pra variar, em dois campos opostos: nem de esquerda e direita (ou sim, isso está incluído?), mas pró e contra vacina, confirmando ou negando covid, enquanto a Peste assola o mundo e nos leva aos bandos, manadas, para o lado de lá – que espero seja melhorzinho, quero acreditar, porque hoje tenho mais pessoas amadas naqueles pagos, e talvez sem muita demora também ande por lá.
De modo que, queridíssima amiga e ex-colega de escola, não escrevo nada muito alegre porque acho que, se temos voz, nós que escrevemos e publicamos, temos também o “dever” nada agradável de alertar. Se cuide, se vacine, use máscara, não aglomere... mesmo que autoridades, máximas e mínimas, façam tudo isso com a maior naturalidade.
Devo dizer que aos poucos não aguento mais palavras como aglomeração, máscara, álcool-gel. Estamos em dias de luto, preocupação, cansaço, fadiga mesmo, por exemplo quem como eu, que, considerada de altíssimo risco, sonho com família reunida, beijos, abraços, risadas, alegria, ou almoço com amigas no lugar preferido.
Há mais de ano, raramente saio de casa, mascarada, entro no elevador, entro no meu carro (lá tem garrafinha de álcool) e dirijo até nossa casinha de Gramado, bem afastada da cidade, condomínio com muita natureza, onde parece que moramos no mato mesmo.
Um amigo certa vez me falou daqueles dias “em que até sair da cama e escovar os dentes é um ato heroico”. Ele falava de um momento pessoal trágico, mas de modo geral é mais ou menos isso, vontade de cobrir a cabeça com o lençol e esperar que alguém abra a porta sem bater, quase gritando, “passou! passou! não tem mais pandemia!!”. E teremos de reaprender a ser gente, a ser amigo e amante, a conviver, a abraçar, a curtir a vida.
No meu caso particular, seriam aqueles dias em que eu adoraria ficar escondida entre os lençóis, até que meu filho perdido batesse na porta e chamasse com seu vozeirão, “que é isso, dona Lya, levanta e vem tomar café comigo! Cheguei do outro lado do mundo pra te abraçar!”.
Como isso não acontece, a gente levanta, toma café com o marido, ou os filhos se ainda estão em casa, e tenta animar o dia de todos – sem muita palhaçada por favor, e sem ainda ver as notícias. Sim, está chato, está triste, mas aqui e ali os amores se manifestam, as amizades são quase amorosas, porque todos estamos carentes, e a gente, na frente da janela, respira fundo e pensa, ainda estamos vivos, ainda não estamos doentes, vamos curtir aquela formação de nuvens gordinhas e brancas inocentes... ou curtir o horizonte escuro, se, como eu, amamos uma boa tempestade.