Diferentemente do cenário da pandemia no Brasil, os norte-americanos estão próximos de voltar à vida normal. Com 35% da população imunizada (ou seja, com as duas doses) e 46% com ao menos uma aplicação de vacina contra a covid-19, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos determinou que todos os cidadãos completamente vacinados não precisam mais usar máscaras em ambientes externos.
Foi sinalizado ainda que o uso das proteções faciais pode ser evitado em ambientes internos na maior parte dos lugares. O órgão disse também que as pessoas totalmente vacinadas não precisam praticar o distanciamento físico na maioria dos lugares. Porém, a atualização no protocolo não foi bem aceita por todos. Há um receio entre uma parcela da comunidade médica que teme que a desobrigação do uso de máscara possa encaminhar o país a uma nova onda de casos, com as novas variantes do coronavírus que surgem ao redor do mundo.
Para Pedro Hallal, epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a decisão do CDC é correta e compatível com a realidade de cobertura vacinal do país norte-americano.
— Ela é decorrente da alta taxa de vacinação no país. Sempre dissemos que a vacinação tem um efeito individual, na pessoa vacinada, e um efeito coletivo, na população. Essa medida do CDC é decorrente das evidências de um efeito coletivo — afirma.
Paulo Petry, professor de Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que a realidade americana não se aplica ao Brasil, apesar da vacinação em curso, porque o número de pessoas imunizadas é muito baixo em território nacional:
— Para se ter uma ideia, nós vacinamos 23 pessoas a cada cem. Nos Estados Unidos, a proporção é de 80 para cem, eles estão muito mais avançados, chegaram na faixa etária de 12 anos. Além disso, há uma diferença nos imunizantes usados. Lá prevalece o da Pfizer/BioNTech e o da Moderna, que têm eficácia acima dos 90%, apesar de as nossas terem um bom índice. E essa vacinação em massa estava fortemente apoiada no reforço das medidas de prevenção. Isso ajudou a reduzir a circulação do vírus nos Estados Unidos. Quadro bem diferente do brasileiro.
Vacinação a passos lentos
Segundo dados do Ministério da Saúde (MS) atualizados na quinta-feira (13), aproximadamente 15,6% dos brasileiros tomaram a primeira dose da vacina. E somente cerca de 7,4% completaram o ciclo vacinal.
Hallal reforça que para alcançar a realidade dos EUA é preciso avançar na vacinação e investir na adoção das medidas de distanciamento social e de proteção. Ele aponta ainda que, se o público brasileiro já vacinado relaxar nos cuidados, poderemos entrar em novas ondas de coronavírus porque há muitas pessoas suscetíveis a pegar a doença.
Ao citar os resultados da última etapa da pesquisa Epicovid, que estuda a prevalência do coronavírus no Estado, o professor da UFPel afirma que a cada 10 pessoas, três já têm anticorpos contra a covid-19, seja pela vacina, seja por infecção. Logo, as outras sete estão vulneráveis a desenvolver a doença.
— A gente vive uma pandemia descontrolada no Brasil e repete os mesmos erros do ano passado. A população se cuida nos momentos mais perigosos. Quando os números se estabilizam, a gente se descuida e os dados param em patamares muito elevados. Nos acostumamos a ouvir que 2 mil pessoas morreram de covid em nosso território. Isso não é tolerável, não é aceitável, mas a gente se acostumou — pontua.
Imunização acelerada e distanciamento social
O professor de Epidemiologia da UFRGS observa que para se ver livre do uso da máscara o país deve imunizar, no mínimo, 70% da população. Contudo, Fernanda Varela, membro da Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI), afirma que o Brasil parece andar na contramão do avanço. Ela observa que o modo como o país lida com a pandemia abre margem para que surjam mais problemas:
— É perigoso porque damos tempo para que o vírus circule, sofra mutações e que a gente registre aumento no número de positivados. Estamos muito longe do que os EUA vivem e o maior indicativo disso são os números de novos casos (na quinta-feira, o Brasil registrou 74.592 novos positivados). A questão é que, quando estimulamos essa circulação, damos chance para que o coronavírus continue mutando, e isso é ruim, porque poderemos chegar a um ponto em que as vacinas não sejam mais eficazes. Por isso, temos que vacinar aos montes e rápido para quebrar esse ciclo.
Lucia Pellanda, professora de Epidemiologia na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), alerta que não há estudos nacionais de que os imunizantes aplicados no Brasil, de fato, reduzam a transmissão do vírus. Ou seja, forçar uma volta à normalidade dentro do atual contexto brasileiro, segundo ela, é colocar em risco outras pessoas, já que a maioria da população não está vacinada.
— Além disso, a vacina reduz o risco de pegar a doença, mas não a nível zero. O nosso risco coletivo é muito alto. Imunizar pessoas nos Estados Unidos é diferente de vacinar as daqui porque partimos de um risco inicial mais elevado — explica Lucia.
De acordo com dados divulgados nesta semana pelo Imperial College de Londres, a taxa de transmissão do coronavírus no Brasil está em alta. Isso porque, agora, o índice está em 0,96. No estudo anterior, de 27 de abril, esse dado estava em 0,93.