Quem me lê sabe que desde sempre fui apaixonada por palavras. Para mim, encantamento, magia, pedrinhas coloridas, cristais translúcidos, caramelos, murmúrio de riacho ou chamado de mar, não importa.
Por isso, eu uso algumas como enfeites, anéis ou brincos, colares com que me sinto bem: glicínia, abside, murmúrio, lágrima, magnólia, marinha... Tantas. Tive esperança, quando muito pequena, de acordar um dia me chamando Magnólia, ou Virgínia, ou Margarida. Qualquer coisa menos as três letras sem graça do meu nome real. Quis me chamar Esperança, não lembro por quê. Açucena, para horror de minha mãe: eu mal começava a ler e numa página encontrei esta beleza: “As gotas de orvalho brilhavam nas pétalas das açucenas”.
Nesta fase de virada do Brasil, a esperança de sermos éticos, decentes, justos, abertos, altivos, parceiros para o mundo, cresce no coração.
Então, hoje me fixo na esperança, que tem lá o sibilo do sss mas o conteúdo solar. Minhas esperanças foram mudando dramaticamente (não no sentido negativo) em todos esses anos. Quando pequena, esperava que minha mãe não visse que eu tinha quebrado o copo; que eu tinha sujado o vestidinho sentada na terra; que meu pai me trouxesse aquele livro; que chovesse de noite para eu dormir sentindo aquele incrível aconchego; que chegasse logo Natal e nada de Papai Noel com varas no saco...
Que chegasse a hora de irmos para a praia nas férias de verão, quando não se faziam, como hoje, fins de semana e feriados na beira do mar – a viagem era penosa, demorada, às vezes arriscada. Mas bem antes já se manifestava aquela esperança da temporada em Torres, ainda uma ruazinha com poucas casas e aquele mar esplendoroso, sonoro, belo e às vezes sinistro, que, para mim, era a voz dos afogados chamando de noite no escuro... Essa esperança de praia começava lá por outubro, novembro, com os primeiros calores e noites mais estreladas. A gente inventava:
“Estou sentindo cheiro de praia”.
Depois havia as esperanças mais melancólicas, como quando, lá pelos sete anos, por acaso descobri que meu pai, adorado acima de tudo, tinha problemas cardíacos. E, quando perguntei, ele, com toda a naturalidade, sem imaginar o buraco que se abria na minha alma, explicou com simplicidade que o coração era uma espécie de bomba, que bombeava sangue, e um dia podia parar. E aí? (O meu, apertado, subindo pela garganta.) Aí, a gente morre.
Quando ele morreu, eu tinha 35 anos, mas era como se quase diariamente cutucasse a esperança: por favor, por favor, que em meu pai aquele coração bondoso, sábio, amoroso, protetor, não parasse.
Fui tendo esperança de virar adulta; de fazer faculdade, aprender mil coisas; de me casar, ter filhos; de ver todos saudáveis e felizes; de ter meu primeiro livro lido... de escrever outros... esperança de mais beleza e amor e harmonia nas casas, no mundo. Esperança como uma primavera meio doida que faz milagres porque é linda, firme, obstinada e feliz.
Muitas esperanças foram abatidas pelos chamados golpes do destino. Muitas, talvez até mais do que eu merecesse, se cumpriram. Hoje, nesta fase de virada do Brasil, a esperança de sermos éticos, decentes, justos, abertos, altivos, parceiros para o mundo, cresce no coração – como aquele pão cheiroso saído das mãos generosas e hábeis das mães ou das avós crescia magicamente debaixo de um pano alvo e limpíssimo, antes de ir para o forno.
E dali sair com aquele aroma de segurança, de renovação e de confiança que começa a se espalhar por aqui.