Palavras, sabe quem me lê, foram minha primeira paixão, um de meus primeiros encantamentos. Muito pequena, antes mesmo de saber ler, elas me fascinavam. Eu as repetia e remoía como caramelos translúcidos na minha boca.
Mas havia as feias, as medonhas, que eu detestava.
Quando comecei a ler, bem cedo, lembro de um dia encontrar num livro de histórias a expressão "boneca rubicunda". Perguntei à mãe, que, como quase sempre, disse: "Que palavra medonha, vai perguntar pro teu pai".
Ele achou graça, e explicou: "É boneca de bochechinhas vermelhas, como as tuas".
"Mas eu não sou rubicunda!", reclamei indignada com aquele feio insulto. Nem imagino quem escreveria ou traduziria, mesmo tantas décadas atrás, uma história infantil com boneca "rubicunda" em vez de "corada". Seja como for, essa palavra foi para a minha lista de malditas.
Muito pequena, antes mesmo de saber ler, elas me fascinavam. Eu as repetia e remoía como caramelos translúcidos na minha boca.
Mal aprendi a ler, divisava diariamente nas instalações amarelas do Daer, do outro lado da rua, um imenso letreiro: Almoxarifado. A estranhíssima palavra levou uns dias para ser pronunciada e, naturalmente, meu pai de novo explicou: era um depósito de materiais da empresa que cuidava das estradas. Mal sabia eu que um dia, bem lá no futuro, estaria casada com um engenheiro por algum tempo ligado ao Daer!!!
Minhas palavras bonitas eram coisas como "açucena": no livro da escola, primeiro ou segundo ano, falava-se em "gotas de orvalho tremelicando nas pétalas das açucenas". Quase delirei. Cheguei em casa suplicando à minha mãe que queria me chamar Açucena. "Mãe, que nome lindo! O meu é tão sem graça, tão pequeninho!"
A mãe botou as mãos na cabeça, como tantas vezes, essa menina tem cada ideia! Horrível!!!
Nomes de flores até hoje me deliciam: hortênsia, em inglês hydrangea. Quem não quereria hydrangeas no jardim? Ou as glicínias, que em português já são maravilhosas, o nome e a flor, e em inglês também: wisteria.
Havia também os nomes das rosas hieráticas num canteiro do jardim de minha mãe. Morning Glory, Black Swan e várias outras, belas como seu perfume que invadia a sala quando minha mãe, feliz da vida, as distribuía em seus vasos. Ou falava com irmãs e primas – no Interior, quantas primas e irmãs e amigas! – pronunciando com doçura aquelas palavras.
Seja como for, não fui rebatizada Açucena, nem Verônica, nem Margarida, nem qualquer outro belo nome. Continuei com o meu pobre, diminuto e sem graça, que tem como único ornamento os bracinhos desesperados do seu ipsilone. (E pelo menos não me chamo Rubicunda.)
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Coluna já escrita, já enviada, vai-se Eva Sopher, a inigualável, cuidar do seu Theatro lá de cima com os anjos – seus amigos, como disse Renata. Uma vida plena, de realizações incríveis, amada, respeitada, exemplar (temida pelos relaxados e preguiçosos...) e, ainda por cima, com um finíssimo bom humor.
Felicidade a nossa, ela ter sido... nossa.