Há um tempo, ou um dia – às vezes dias –, em que a gente pensa ter dito tudo, escrito tudo, lido todas as coisas boas e belas ou loucas e mortais: "Nunca mais vou escrever nada". Pensei nisso várias vezes na vida. Mas de repente me dava conta de que eu nasci ao menos para isso: para falar, sobretudo por escrito, com esses tantos leitores que pelo país afora, alguns no Exterior, nos lugares mais improváveis, leem o que escrevo. Por mais cansativo, repetitivo, chato quem sabe, sempre alguém em alguma parte vai ler, vai se recostar na poltrona ou no sofá ou na cadeira da cozinha, e pensar: "Parece que ela escreveu pra mim". Isso, acreditem, mesmo que eu nunca venha a saber, é o que faz a escrita valer a pena.
E sempre surgem ideias, ou devaneios (que são ideias diluídas, ideias com nevoeiro), e sentimentos que a gente quer partilhar com esse em geral desconhecido amigo imaginário (no meu caso, já falei nisso), o leitor. Por que fazemos isso, por que escrevemos?
Já li e escutei respostas variadíssimas: "Porque, se não escrevo, eu morro, eu enlouqueço, porque quero ser amada, porque me sinto menos sozinha" – enfim, uma listona de respostas dos mais diversos autores e autoras. Mas, no fundo bem fundo do fundo da chamada alma humana, deve ser bom mesmo quando se nasceu para isso. Como em qualquer profissão, de cozinheiro a enfermeiro, a médico, a astronauta, a jardineiro, a professor... E como sabemos? No meu caso, porque talvez seja a única coisa que faço direito. Pode nem ser uma boa literatura, mas me dá alegria, contentamento, paz, muito mais do que dúvidas e angústia. E porque me deu esse monte de leitores, que chamo de meus amigos imaginários. E porque, se uma só pessoa no mundo ou aqui do lado disser que isso lhe fez bem, então valeu a pena uma existência inteira escrevendo.
Mesmo nesta época de tal penúria cultural, com livrarias fechando, editoras reduzindo pessoal e publicações, todos assustados e inseguros, vale a pena. Ou apenas é o que eu faço. Em livro e em colunas de jornal, que escrevo desde bem jovenzinha. Como escrevia um diário, e poemas esquisitos aos 11 anos, falando em Deus, ou mencionando os belos olhos do menino mais bonito da escola, que nem sabia da minha existência. Livros sempre foram meus grandes companheiros. Gosto de ficar quieta, sobretudo quando dolorida como ando há tempos, sabendo que o mundo continua, as pessoas amadas estão perto, o parceiro chega daqui a pouco, mas neste momento estou no meu círculo mais íntimo, meio secreto, o livro e eu. Ou meu colega escritor e eu. Esta aqui tentando adivinhar o que o outro quis dizer com essa frase, essa palavra, esse ponto, esse espaço – porque às vezes espaços e entrelinhas contêm a verdade ou a ilusão que o autor alimentava, a esperança que buscava, a alegria ou a dor que sentia.
Para quem gosta de gente, então, escrever e ler são das coisas boas de se existir: isso não exige juventude, beleza, agilidade, dinheiro, mas simplesmente interesse em ir descobrindo (ou jamais descobrir) o que o outro, ao fazer esse texto, buscava transmitir para um futuro leitor, seu parceiro sem rosto, sem nome, mas aberto e comovido: nós, eu.