Em mais de um sentido a cidade do Rio de Janeiro é um caso histórico raro. Como pode uma metrópole daquele tamanho e importância ter nascido e se desenvolvido ali, espremida entre o mar e a montanha? Certo, tem a baía da Guanabara, um portento geográfico, capaz de abrigar sabe-se lá quantas centenas de navios, de guerra ou de comércio; tem o país ultracentralizado e rico de que o Rio foi capital e beneficiário; tem o singelo fato de que as massas de gente e as unidades produtivas se situarem para além das montanhas e fora da beira da praia. Mas mesmo assim.
Ruy Castro tem se empenhado em narrar histórias dessa cidade. Agora ele lançou Metrópole à Beira-mar - O Rio Moderno dos Anos 20 (Cia. das Letras), mais um livro de excelência em matéria de dados empíricos, historinhas e histórias enfileiradas mediante um texto agradável de ler. O foco está dito na capa: mapear aspectos modernos da vida do Rio de Janeiro nos anos 1920, quer dizer, exatos cem anos atrás. Os capítulos vão repassando aspectos mais, menos e nada conhecidos de arquitetura, urbanismo, comportamento, costumes, literatura, teatro, música e tudo o mais que cabe esperar de uma verdadeira metrópole.
Tese que pode ajudar na leitura, acho eu: o Rio é a única civilização completa que o Brasil construiu. A Bahia teve força e produziu muito, mas não alcança um horizonte inteiro; Minas bem menos; São Paulo, agora há cem anos, luta para impor uma nova, mas ainda não chegou lá. (Estamos falando de Brasil, não de civilizações pré-Brasil, que sim existiram, fora dos parâmetros da modernidade.)
Mas este livro do Ruy Castro tem uma diferença forte em relação aos anteriores: é que aqui há uma defesa apaixonada, embora não explícita, de um ponto de vista crítico - o livro é um ataque à visão hoje dominadora de que São Paulo e seu modernismo sejam os inventores da cara moderna do Brasil. Nada disso, diz Ruy, mais nas entrelinhas do que nas linhas: o Rio, nos anos 1920, tinha já todos os elementos de invenção, irreverência, criatividade, releitura crítica do passado colonial e o quanto mais seja, atualmente, atribuído aos paulistas.
É ler para conferir. Assunto para muita conversa.