Quinta-feira, numa praia do Litoral Norte, eu espero uma vaga para estacionar o carro, depois de deixar meus velhos pais na frente do restaurante. Uma vaga específica: estava saindo outro carro, eu estava ali mesmo, de forma que apenas entrei num recuo e fiquei vendo o colega manobrar. Quando ele sai e eu engreno o carro, pronto para ingressar no cobiçado espaço, uma caminhonete da Brigada Militar entra antes de mim. Ainda pensei: "Vai ver, o motorista não percebeu que eu estava ali; quem sabe ele sai e me dá a preferência, que era minha".
Não posso dizer que o valoroso brigadiano ao volante estava totalmente errado, porque seu carro vinha na mão, e eu estava recuado, do lado oposto ao da vaga; mas eu estava antes. Coisas do trânsito.
Fiquei brabo? Fiquei. E aí, naquele ímpeto do injustiçado no trânsito, ao sair do lugar em que estava para pegar o fluxo, ainda tive tempo de dizer, para o brigadiano que saía do lado do carona: "Eu tava esperando pra entrar nessa vaga". Era uma reclamação, era uma lamentação. Disse e imediatamente pensei: "Pra quê estou dizendo isso?". O rapaz fardado fixou o olhar em mim e respondeu, frio: "Tava". Sem ênfase, sem dúvida, apenas informativo.
A resposta do brigadiano me deu um frio na espinha. Pensei imediatamente que eu ia almoçar exatamente no mesmo restaurante que eles, ali onde me esperavam meus velhos pais, meus filhos, minha mulher. E que um cara daqueles podia – espero que não, mas pode ser que sim – resolver me tirar satisfação, me dar um atraque, conferir documentos e encontrar alguma coisa, sei lá o quê – mas seu guarda eu sou cumpridor, tá tudo direito nos papéis, eu não fiz nada, fez sim, cala a boca. E já meu velho pai ia intervir, ia tentar acalmar a coisa sem entender bem o enredo, minha filha ia chorar de assustada.
Nada disso ocorreu. Almocei, almoçamos, almoçaram, tudo em paz. Mas aquele meu medo é que é. Eu não devia ter falado nada? Tendo falado, eu devia ter tido medo? Tinha cabimento sentir medo, sendo eles os homens da lei? É assim que é, e nada mais?
Só contei tudo isso pra minha mulher depois de passado o susto, eu me recriminando por ter reclamado. E ela ainda comentou que, antes de tudo, eu era homem, branco, hétero.