Espero que não seja pessoal. Mesmo. Mas, justo na temporada em que desembarquei aqui na Catalunha para um período de estudos e trabalho remoto, o Barcelona vive mais uma temporada insossa. Se bem que isso ficou algo comum nos últimos anos, desde que o supertime liderado pelo trio MSN começou a se desmanchar. Havia uma expectativa de que Xavi, o filho criado em La Masia e com o DNA Cruyffista introjetado na veia, pudesse fazer o clube voltar a ser protagonista na Europa. A conquista da última La Liga havia inflado o peito dos culés. Os velhos tempos estariam voltando. Só que não.
A dificuldade técnica do Barcelona, é bom dizer de largada, passa longe da mudança temporária para o Estádio Olímpico, no alto da montanha de Montjuic. É verdade que a logística morro acima para ver o jogo ficou complicada. Assim como a saída escadaria abaixo, até a Plaza Espanya, quando uma multidão caminha, de forma ordeira e a passos de formiga, até a estação de metrô e as paradas de ônibus. Há ainda a distância da arquibancada do campo, forçada pela pista de um estádio olímpico. Aquelas lonas customizadas nas primeiras fileiras de cadeiras, para evitar ocupação de pontos cegos, fazem o campo ficar ainda mais longe.
O resumo disso tudo é que a torcida não curtiu o novo endereço. O estádio, com frequência, apresenta vazios que destoam do que nos acostumamos a ver na La Liga.
Porém, o contexto do Barcelona estaria feliz se a adesão tímida da torcida estivesse ligada apenas ao sobe e desce no Montjuic. O campo é que está tirando o ânimo da torcida. E o campo é o reflexo de um clube em crise, com bastidores efervescentes e que parecem direcionar a temporada para um buraco. O surpreendente anúncio de Xavi no último fim de semana, de que deixaria o cargo ao final da temporada, é só o epílogo de uma disputa de poder. O Barça havia acabado de levar 5 a 3 do Villarreal em casa. O clima estava pesado, e os boatos de que ele não suportaria nova derrota já ocupavam os noticiários locais. Nos camarotes, o presidente Joan Laporta, dois de seus vices mais próximos e o diretor esportivo Deco haviam feito uma rápida reunião. Não houve unanimidade, mas ficou acertado que o discurso seria de apoio ao técnico e fé de que reverteria a crise técnica.
Quando Laporta e Deco chegaram ao vestiário, foi Xavi os chamou para uma sala. Ali, deu a notícia que, minutos depois, tornaria pública ao mundo. Houve um choque. O técnico avisou que não haveria margem de recuo. Segundo o diario Sport, Xavia teria tomado essa decisão na metade de dezembro. Chamou em sua casa o seu irmão e auxiliar, seu agente e avisado de que sairia. Se sentia desamparado no clube, e a pressão comum no Barcelona já estaria respingando em sua família. Portanto, tinha atravessado uma fronteira proibida.
A saída de Xavi é uma prova do quanto as decisões políticas invadem o vestiário. Seu caso começou a se desenhar na reta final da temporada passada, quando todos estavam inebriados pela reação e pela conquista da La Liga depois de quatro anos. Laporta, um sujeito com apreço aos holofotes, havia assumido um clube desgovernado de Josep Bartomeu. Vinha bem na tentativa de colocá-lo nos trilhos. Um dos grandes responsáveis pelo equilíbrio entre campo e gastos no futebol era o diretor esportivo Mateu Alemany. Ele havia chegado em 2021, com Laporta. As contratações tinham sua arquitetura. Sua interlocução com o vestiário tinha ninguém menos do que Jordi Cruyff, hábil no trato e um sobrenome de peso.
A mecânica funcionava bem. Xavi se sentia protegido e tinha a blindagem perfeita para alguém que recém havia chegado do Catar e tinha pouca experiência como técnico. Em maio, porém, o nome de Deco começou a circular no ambiente do Barcelona. Ex-jogador do clube, figura do Dream Team de 2005/2006, muito ligado ao megaempresário Jorge Mendes, Deco havia se tornado um dos grandes agentes do mercado. Era a ponte entre o Barcelona e o mercado brasileiro. Tanto é que, como empresário de Raphinha, o havia trazido do Leeds para a Catalunha. Na reta final da temporada, Alemany anunciou sua saída. Duas semanas depois, voltou atrás. Jordi, com o contrato no final, decidiu limpar as gavetas.
Problemas com Deco
No meio das férias, o que era boato se confirmou. Deco fecharia sua empresa e seria o novo diretor esportivo. Alemany ficaria até o final da janela, em setembro. A temporada começou com um Barça sobre nova direção. Mas havia algo esquisito no ar. A derrota de 2 a 1 para o Real, em casa, em outubro, começou a mostrar que tinha algo fora do tom. Gundogan cobrou publicamente indignação do grupo. Disse ter estranhando a música e as conversas amenas no vestiário depois do jogo. Foi repreendido.
Lewandowski, semanas depois, expôs publicamente Lamine Yamal, joia de 16 anos. Cobrou-o por tentar o chute em vez de cruzar. O guri se desculpou e tentou cumprimentá-lo. Ficou com a mão no ar. Além de episódios como esse, o time oscilava e mostrava fragilidades defensivas. O 3 a 1 para o Girona, dentro do Olímpico, indignou a torcida. Apesar ser um dos primeiros na La Liga, o Girona é visto aqui como um pequeno do Interior.
Dois dias depois, veio a fratura pública na relação entre Xavi e Deco. O técnico havia deixado Ronald, Lewa e Gundogan de fora da viagem para enfrentar o Royal Antwerp, pela Liga. A vaga estava encaminhada, e ele descansaria o trio. Houve surpresa quando a lista de quem viajaria foi republicada. Com os três. Xavi disse que havia mudado depois de conversa com Laporta e Deco.
Na Bélgica, Deco disse que a lista era de "responsabilidade do míster". Ex-companheiros de vestiário, o técnico e o diretor esportivo estavam separados por um oceano. Nesse climão, o time embarcou para a Supercopa, na Arábia. Levou 4 a 1 do Real, em show de Vinícius. Raphinha, com nova lesão muscular, voltou para casa com previsão de longa parada.
Reformulação
A retomada na La Liga até teve vitória sobre o Betis e muita vibração. Parecia que o time engrenaria. Depois de ganhar do Osasuna, Xavi foi contundente e disse que havia decidido sair porque não se sentia protegido.
Nesse clima pesado, o Barcelona se prepara para uma reformulação. Mais uma. Só que, endividado, precisa vender muito para ir ao mercado. A tarefa de Deco é do tamanho do novo Cam Nou. Ele precisa começar as compras por um técnico. Embora, convenhamos, esse parece ser o menor dos problemas para ele. O Barcelona parece apenas contar os dias para o final da temporada.