Imaginem pegar bolo de casamento, de três andares, e fatiá-lo de forma longitudinal. Deixar apenas a base. Foi algo parecido com isso que o Barcelona fez com o Camp Nou. Cortou-o ao meio para reconstruí-lo. Esse bolo de concreto sairá bem caro, 1,450 bilhão de euros. Ou R$ 7,6 bilhões. Foi esse o valor que o Barça buscou com um grupo de 20 investidores, entre bancos e fundos. O plano é pagar a dívida em um período de 20 a 24 anos.
Sabe aquela frase famosa, a "La garantia soy yo"? Pois foi usando essa premissa que o clube usou no mercado. Mesmo que tenha uma dívida de 552 milhões de euros, conforme o último balanço, ele convenceu os financiadores da obra a apostar que o potencial econômico do novo Camp Nou pagará essa dívida.
Na verdade, o projeto é muito mais do que o estádio. Tanto que seu batismo é Espai Barça (Espaço Barça, traduzindo do Catalão). Trata-se de uma Disneylândia blaugrana no bairro de Les Corts. É tudo o que tem hoje na órbita do estádio, só que modernizado e conectado com tecnologia de ponta.
O novo Camp Nou passará dos 99,3 mil lugares para 104,6 mil. O plano é faturar 340 milhões de euros anuais com o estádio. Na temporada passada, a última do estádio velho, foram 121 milhões e mais de 1 milhão de ingressos vendidos. Será com essa receita que se pretende pagar o financiamento. Ele tem juros. Quando anunciou o projeto, o Barcelona disse que os lotes da dívida teriam, em média, correção de 5,53% ao ano. O jornal El Confidencial teve acesso ao contrato com os financiadores e revelou que não será bem assim. Os juros, em 70% da dívida, serão de mais de 7%. Uma diferença, aparentemente, pequena, mas vira uma Catarata do Iguaçu quando se coloca sobre um montante de 1,45 bi de euros.
Uma boa parte da receita prevista com o novo estádio virá das novas áreas VIPs e do serviço de hospitalidade. A estimativa é de 120 milhões de euros anuais em um serviço para empresas e milionários que circulam aqui lambidos pelo ar do Mediterrâneo e sob o sol de Barcelona. Não são poucos, se levarmos em conta a quantidade de iates que estão atracados no Porto Veill e no Porto Olímpico. É para buscar esse público e suas contas forradas que as áreas VIPs serão triplicadas no novo estádio. Haverá dois andares intermediários, entre o primeiro e o segundo anéis. Ali, a experiência de se assistir a um jogo de futebol terá como marca o luxo e a privacidade.
Afora o espaço VIP, o novo Camp Nou terá um megaespaço comercial em seu subsolo, com megaloja, restaurantes, cafés, espaços de lazer. O Barça Imersive, o novo museu digitalizado aberto agora em junho, será plugado no estádio. O museu do clube, aliás, é o mais visitado de Barcelona, isso numa cidade que tem Gaudí, Picasso, Miró, Salvador Dali. Fora outros espaços generosos de arte e história, como o Museu de Arte da Catalunha, o CosmoCaixa e o Museu do Mar, para citar rapidamente alguns. Na temporada 2022/2023, o Museu deixou 39,9 milhões no caixa.
A engenharia financeira, como se vê, está pronta. O ponto, agora, é acelerar o ritmo da engenharia da obra. A construtora turma Lemak topou o desafio de entregar o estádio com 65% da capacidade das arquibancadas do primeiro e segundo anéis em novembro de 2024. Além disso, metade das áreas VIPs deverão estar prontas. O Barcelona pretende comemorar o Natal de 2024 na casa nova. A obra estará totalmente finalizada em 2026. Os turcos aceitaram o orçamento de 950 milhões para refazer o estádio e os prazos apertados como uma forma de entrar no mercado ocidental. Para entregar tudo, contam com um time de 2 mil empregados na obra. Operários virão da Romênia, da Bulgária e da Turquia para reforçar as fileiras. O plano era trabalhar 24 horas, mas a legislação catalã proíbe.
Quem mora perto Camp Nou ou passa com frequência por ali se espanta com a velocidade da reforma. Assim como se impacta com a imagem de um estádio fatiado ao meio. Em um ano, no entanto, ele já terá feições novas. Em dois, contará com 90% da reforça concluída, megastore e restaurantes funcionando. Em menos de três, será entregue com ares de uma arena gigante, sustentável, coberto, sendo boa parte com 21 mil metros quadrados de placas solares, e ouvindo o caixa tilintar com os euros de fãs de todo o mundo ingressando em progressão geométrica. Afinal, a garantia do Barça é ele mesmo, neste passo para se consolidar como uma Disney futeboleira.