Em Amsterdã a chegada do inverno é assim: ou chove, ou não tem sol. Foi por isso que o Ajax construiu lá, na metade dos anos 1990, uma arena coberta. A primeira da Europa. Também desafiou a natureza. Porque, mesmo com o clima cinzento e úmido e com o teto retrátil fechado, o gramado do estádio é impecável. Um tapete. Ou seja, enquanto se discute no Brasil o piso natural ou o sintético, os holandeses provam que é possível jogar futebol sobre raiz. Que nesse caso não deixa de ser o "futebol raiz".
Visitei nesta terça-feira (19) a Johan Cruyff Arena, como parte de uma rápida viagem de estudos que fiz aqui para a Holanda. O dia estava com a cara de Amsterdã nesta época. Amanheceu chovendo com vigor. O que diminuiu o frio. De 8ºC para 11ºC. Realmente, manter um gramado nessas circunstâncias por quatro, cinco meses do ano requer muito trabalho e, claro, investimento. Isso porque a Arena recebe, além de jogos, alguns shows. O lugar em que foi construída, numa região afastada do centro, era pouco habitado em 1996. Inclusive, uma autopista, que passa por debaixo do estádio, é uma das saídas da cidade. Hoje, esse entorno virou um centro comercial pujante, com hotéis, shoppings, cinemas, restaurantes e prédios de escritórios.
Mas, voltando ao gramado. A cada começo de temporada, o Ajax efetua a troca. Investe 400 mil euros. São seis semanas para o novo piso se assentar e criar raízes. Passado esse período, o campo ganha fibras sintéticas, que são amarradas às raízes. A proporção fica de 90% de natural para 10% de sintético. Esse é só começo do trabalho. No verão, o teto retratil fica aberto. Porém, mesmo assim, o campo não tem a insolação necessária. É preciso complementar com aquelas placas de energia. São 10. Em caso de previsão de chuva, o teto é fechado quatro horas antes dos jogos, por recomendação de segurança. Em dias normais, um botão, e o estádio fica coberto em 17 minutos.
Aliás, os administradores da Johan Cruyff Arena nem apertam mais botão. Todo o controle do estádio está em um aplicativo no celular deles. Incluindo o teto. Porém, por esse App, eles controlam a umidade do gramado, os locais que mais necessitam de luz artificial e a temperatura dentro do estádio. Ela precisa, em dias frios como os desta época, entre 8º a 10º. O gramado precisa respirar sempre a 12ºC. Estamos falando de um estádio de 1996, portanto, algumas ações ainda são mais rústicas. Mas funcionam. Em caso de umidade excessiva, ventiladores potentes posicionados com discrição junto à mureta ajudam a diminuí-la.
Nesta terça-feira, como havia jogo do time feminino contra o Bayern, pela Liga dos Campeões, nenhuma das placas de luz artificial estava ligada. Mas é comum passarem boa parte do dia acionadas. A custo zero. A Arena Johan Cruyff produz 96% da energia que consome. O teto transparente tem 4,2 mil placas solares. Uma sala embaixo da arquibancada armazena as bateria que transformam claridade em luz. O plano é, em 2030, produzir toda a energia consumida pelo estádio e pela vizinhança do estádio. A Holanda leva ao pé da letra a Agenda 2030, estabelecida pela ONU em busca de um desenvolvimento sustentável. Para você ter uma ideia, os taxis em Amsterdã são, em boa parte, Teslas.
O Ajax, como um dos símbolos, do país, está engajado nessa meta. A sustentabilidade se estende para outros setores do clube (menos o futebol, que só tem causado estresse em campo). A manutenção do estádio também tem essa pegada sustentável. Aliás, aqui um outro aparte. Mesmo tendo sido inaugurada há 27 anos, a Arena Johan Cruyff está com a conservação em dia. Isso, na verdade, tem muito da cultura holandesa. Pelo que vi aqui nas andanças por Amsterdã, a cidade para aquela casa que está sempre arrumada para receber visita. Tudo exala organização e ordem. A Johan Cruyff parece ser um estádio de quatro, cinco anos de vida. É exemplo. Precisa ser. Foi a casa do Ajax que inspirou a onda de arenas que se espalharam pelo mundo e, para a Copa de 2014, pelo Brasil.