Sucesso de gestão, inspiração para clubes médios do futebol brasileiro e modelo de time que engajou uma comunidade, a Chapecoense enfrenta neste ano uma de suas crises técnicas mais agudas em cinco temporadas na Série A. O jogo contra o Inter marca a estreia do quarto técnico em 2019, Marquinhos Santos, buscado por "empréstimo" no Juventude. Os problemas no campo refletem dificuldades financeiras que, até o ano passado, inexistiam.
Pela primeira vez em cinco anos, houve déficit no clube. A temporada iniciou-se com dívida de R$ 13,5 milhões, um valor significativo em um orçamento de R$ 98 milhões. Erros em contratações, ausência de uma identidade para o time e receitas emagrecidas compõem a fórmula que faz da Chape a penúltima no Brasileirão.
Os números são assustadores: três vitórias, 11 derrotas, 17 gols marcados, 32 sofridos e aproveitamento de 24%. A virada do turno e a chegada de Marquinhos fazem a direção acreditar em uma correção de rumo.
Algo parecido com o que aconteceu em 2018, quando Claudinei Oliveira desembarcou em Chapecó e evitou o rebaixamento. Claudinei começou 2019 e montou um grupo para jogar de forma mais reativa. Caiu e, em seu lugar, veio Ney Franco, adepto de jogo de toque. Ney durou só 18 jogos. A solução foi apostar no auxiliar Emerson Cris, um ex-volante do clube. Não funcionou.
A reação começa por uma autocrítica sem pruridos. A iniciar pelo presidente interino, Paulo Magro, que ocupa o cargo até o final de outubro, devido à licença médica de Plínio De Nes. Filho de gaúchos, mas nascido em Chapecó, onde trabalhou por 40 anos na Sadía, Magro não se exime de fazer um inventário dos equívocos:
— Erramos no nosso planejamento desde o início do ano, desde a pré-temporada. Não fizemos uma avaliação correta na montagem da estrutura como um todo. Não só de jogadores e comissão técnica. A coisa não engrenou. Apostamos numa filosofia, numa forma, e não tivemos resposta.
Na verdade, os erros da Chape começaram há pelo menos dois anos, como aponta o repórter Mateus Montemezzo, da Rádio Oeste Capital – a mesma que tinha Rafael Henzel como narrador. Jogadores desembarcaram com contratos longos e valores acima da realidade da Chape. Em alguns casos, faltou perceber se tinham o perfil para encaixar em um clube com a peculiar característica de pertencimento a uma comunidade.
O caso do atacante Victor Andrade é o mais notório. Trazido do Estoril-POR, em junho do ano passado, desembarcou em Chapecó com status de ter surgido no Santos como sucessor de Neymar e de ter atuado no Benfica. Sua passagem teve 17 jogos, dois gols e algumas polêmicas. Em março, o clube chegou a afastá-lo, três meses antes do fim do empréstimo. Ele voltou com Ney Franco, mas retornou a Portugal a 30 dias do fim do vínculo.
A falta de identificação da torcida com o time, a perda do Estadual para o Avaí e os resultados ruins no Brasileirão impactaram nas contas. O clube perdeu 2 mil sócios – o equivalente a 20% do quadro. Outras receitas também diminuíram.
Para completar o cenário, explica o atual presidente, o clube contava no orçamento com o R$ 10 milhões relativos à venda dos direitos de TV ao Exterior. Só que CBF e clubes não se alinharam, e ninguém viu a cor desse dinheiro.
— Agora, você soma R$ 13,4 milhões de dívida, mas esse valor que não entrou nos nossos cofres, dá o equivalente a 25% do nosso orçamento — lamenta Magro.
Some-se a tudo isso, a dor do acidente com o voo da delegação no final de 2016. Há questões relativas aos familiares das vítimas ainda sendo resolvidas. Porém, o clube tem feito acordos na Justiça do Trabalho. Hoje, 86% deles já estão homologados. São dívidas que foram diluídas em até 10 anos. O que não repercute de forma tão aguda nas finanças. Nesta semana, por exemplo, definiu-se que a viúva e os filhos do supervisor Emerson Fabio Di Domenico receberão R$ 780 mil de indenização.
Em paralelo a isso, o clube e os familiares vivem a expectativa de receber a indenização por parte das seguradoras. O Senado aderiu à causa e exerce pressão. Duas audiências foram realizadas, com o engajamento de nomes conhecidos da Casa, como Romário, a ex-jogadora de vôlei Leila e o catarinense Esperidião Amin. Magro estima que o valor total das indenizações, nesse caso, beire R$ 1 bilhão.
O tema, no entanto, é tocado em paralelo. Até porque a Chape, agora, não pode se dar ao luxo de desfocar do campo. A matemática contra o descenso aponta nove vitórias em casa e dois empates fora. O cálculo é que, neste ano, 43 pontos sejam suficientes. Seguir na Série A representa cota de TV de R$ 45 milhões, contra os R$ 10 milhões da Série B. O que faria a Chape recuar, pelo menos, cinco anos em seu orçamento.