Os armazéns foram fundamentais para desenvolvimento de comunidades no interior. Quanto mais isolado o povoado, maior a relevância e a variedade de produtos da casa comercial, também chamada de venda ou bodega. Além dos negócios, os armazéns eram ponto de encontro de moradores da região. Mesmo que muitos permaneçam em atividade, não têm o mesmo papel de antigamente.
Um bom armazém poderia ser comparado aos modernos hipermercados e shopping centers. Claro, em tamanho menor. No livro Nossas Mães e os Sinos de Bochum (Editora Oikos), a escritora Helena Seger resgata a história de 30 moradoras e da localidade de Pinhal Alto, em Nova Petrópolis. Na descrição das rotinas e locais, me surpreendeu a quantidade de produtos e serviços do armazém da família Hennemann.
Falecida em 1997, Isabela Lucila Schmidt Hennemann herdou a casa comercial do pai, João Schmidt. Além de comprar e vender produtos dos colonos, ela aplicava injeções e colocava brincos nas meninas. Sabia dos remédios, chás e práticas para curar doenças. No balcão, virava conselheira sentimental, confidente de outras mães.
O armazém oferecia desde alimentos e tecidos até fogões e máquinas de costura. No armário da "farmácia", não faltava pomada Springer, Olina, Biotômico Fontoura e outros. Em caixa de madeira no balcão, ficavam as correspondências deixadas pelo ônibus que chegava da cidade. Os assinantes de jornais buscavam a última edição.
A casa comercial mantinha ainda um sistema de poupança. Moradores podiam aplicar o dinheiro, recebendo o saldo acrescido de juros na hora do resgate. Obviamente, tudo anotado em um livro. Lá, ficava o único telefone disponível na comunidade. Desde o tempo do pai de Lucila, primeiro a comprar carro de passeio e caminhão em Pinhal Alto, o armazém vendia gasolina. Uma bomba era colocada dentro de tonel e, com manivela, abastecia os automóveis, ainda raros na localidade.
O negócio também tinha açougue e matadouro. O gado era abatido nas quintas-feiras. No dia seguinte, faziam as linguiças. No outro lado da rua, ficava prédio com depósito e vários quartos, a "Republik", pousada de pessoas "de fora".
Quando um morador estava muito doente, o que a família fazia? Batia na porta dos Hennemann. Se fosse de madrugada, Lucila acordava o marido para levar o paciente na camionete ao hospital em Gramado ou Dois Irmãos.
O marceneiro lá chegava, em qualquer hora do dia ou noite, quando precisava graxa preta, tecido e renda para fazer um caixão. Os caixões eram produzidos sob medida, feitos logo após o falecimento.
Não é mais igual, mas neto de Lucila mantém o comércio da família no mesmo local, preservando a memória da avó e de tantos outros comerciantes dos inesquecíveis armazéns.