O prédio da Livraria do Globo é, sem dúvida, um dos mais importantes do comércio gaúcho. Com entradas pela Rua dos Andradas e Rua José Montaury, foi tombado pela prefeitura de Porto Alegre em 2011. As fachadas icônicas guardam a memória da livraria e da editora, referências nacionais no setor. O prédio do Centro Histórico cresceu no ritmo dos negócios da firma fundada por Laudelino Pinheiro de Barcellos e Saturnino Alves Pinto em 23 de dezembro de 1883.
A primeira loja era pequena, apenas duas portas e uma vitrine na fachada. Além de objetos como bengalas e sombrinhas, vendia livros, tinteiros e cadernos escolares na movimentada Rua da Praia. Mesmo sem tantos leitores na cidade, a Livraria do Globo prosperou. Em 1890, um guri de 12 anos, José Bertaso, foi contratado para serviços gerais. O menino cresceu, virou sócio e comandou a empresa a partir de 1917, após a morte de Barcellos.
Em reportagem da Revista do Globo em 1933, para marcar os 50 anos da empresa, foi descrita a loja em 1912. A iluminação era a gás. Ao lado, ficava a loja de tecidos H. Brito & Cia e, nos fundos, uma fábrica de café. O horário de trabalho era das 6h30 às 20h30, com intervalo de uma hora para o almoço. Logo na entrada, junto ao primeiro balcão, ficava alçapão que levava ao depósito no porão. As encomendas chegavam aos fregueses na "clássica carrocinha do Marciano, que serviu lealmente à casa por mais de 20 anos". No balcão e no escritório, trabalhavam 20 funcionários. As oficinas empregavam outros 80. A livraria já era ponto de encontro de pessoas influentes na cidade.
Em 1919, a Livraria do Globo duplicou a área ocupada após aquisição de loja geminada. A fachada foi completamente remodelada. O avanço continuou com a compra do terreno dos fundos, com entrada pela Rua José Montaury, junto à Praça XV.
A partir de 1924, a loja original, de um pavimento, foi ampliada e interligada a um prédio construído nos fundos. Projetado pelo engenheiro e imigrante italiano Armando Boni, o edifício da Livraria do Globo ficou pronto em 1928. As liberações foram feitas em etapas.
Em 15 de agosto de 1925, por exemplo, o jornal A Federação noticiou a inauguração da ampliação do prédio da Rua da Praia, com novas seções de livros e máquinas de escrever Royal. O edifício ficou com três andares. O primeiro estava reservado para os materiais da livraria e o segundo era exclusivo para as máquinas de escrever Royal. O acesso entre os pavimentos ocorria em elevador Simens-Schukert ou uma escada metálica de emergência. Na época, a Livraria do Globo possuía 300 funcionários em Porto Alegre, sem contar as filiais de Pelotas e Santa Maria.
Em 1929, surgiu a Revista do Globo. Em 1937, verificada novamente falta de espaço, foram construídos dois prédios para as oficinas da editora no bairro Menino Deus.
Em 1943, quando completou 60 anos, eram quase mil funcionários na matriz, considerando editora, tradução, sessão de enciclopédias e dicionários, desenho, publicidade, Revista do Globo e loja. Em reportagem, a Revista do Globo citou que a livraria sempre tratou com o "mesmo carinho tanto os autores estrangeiros quanto os nacionais".
Em 1956, as operações da livraria e da editora ficaram divididas entre a Livraria do Globo S.A. e a Editora Globo S.A., adquirida em 1986 pela Rio Gráfica, das Organizações Globo, de Roberto Marinho.
Desde 2012, cinco anos após fechamento da livraria na Rua da Praia, o prédio histórico é ocupado por filial da Lojas Renner, que anunciou o fechamento da operação em julho de 2023. No terceiro andar, fica um café e o Memorial Livraria do Globo. A loja Yuli Bazar ocupa o térreo do prédio pelo lado da Rua José Montaury. Com fechamento da loja, a Renner comunica que o acervo do memorial ficará com o proprietário do imóvel histórico.
O engenheiro
O italiano Armando Boni fixou residência em Porto Alegre em 1913, onde teve cinco filhos com Giuditta Lupi Boni. Ele foi professor da Escola de Engenharia, considerado precursor do uso de concreto armado. Boni é autor de outros projetos importantes da cidade, como a concha acústica do antigo Auditório Araújo Vianna e do Cemitério São Miguel e Almas. Ele morreu em 15 de março de 1946, anos 59 anos.