A responsabilidade fiscal anunciada como ponto norteador da campanha de governo de Jair Bolsonaro - e curiosamente esquecida na Reforma da Previdência dos militares - ressuscitou oficialmente nesta quinta-feira (3). A proposta de reforma administrativa encaminhada ao Congresso toca em temas extremamente sensíveis do funcionalismo público, mas necessários se quisermos enfrentar com seriedade o déficit nas contas públicas.
As mudanças serão discutidas por deputados e senadores que, como representantes da população, podem e devem corrigir eventuais equívocos. Mas, enfim, acerta o presidente ao finalmente propôr a discussão sobre privilégios no serviço público.
Um dos aspectos sensíveis, como se sabe, é a estabilidade. A ideia, inclusa na proposta, é estabelecer um novo regime de trabalho, em que funcionários de carreiras não exclusivas do Estado serão contratados por tempo indeterminado, sem a garantia da estabilidade.
A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, não é ingênua. E desenhou regras que valem somente para futuras contratações, tanto pelo pressuposto jurídico do direito adquirido, quanto pela ciência da pressão das corporações junto ao Legislativo.
Aliás, quanto à interlocução com o Parlamento, Bolsonaro já deu provas de que conhece bem como - e em que tom - a banda toca. Nomeou indicados do centrão e alçou a postos de liderança políticos como Ricardo Barros (PP), ex-ministro da Saúde e com larga experiência nos corredores acarpetados do Parlamento. Quando do anúncio do envio da reforma, ganharam voz os políticos e não Guedes.
Como ressaltou o jornal O Globo, em editorial nesta quinta-feira (3), o texto encaminhado por Bolsonaro também acaba com a promoção automática, baseada em diplomas ou no tempo de serviço. Na prática, são os chamados "triênios", "quadriênios" ou "quinquênios". Aliás, palmas ao Executivo pela proposta de colocar um fim ao absurdo da aposentadoria compulsória como forma de punição ou ainda os prêmios por desempenho a servidores afastados.
O tema suscitará ampla discussão e é assim mesmo que deve ser feito. Não é possível fazer vista grossa à grave crise econômica e a necessidade de adoção de medidas para superar o momento. A oposição faria bem, inclusive, se refletisse a respeito.
Bastaria lembrar o discurso de Dilma Rousseff em fevereiro de 2016, em sua ida ao Congresso na abertura do ano legislativo, quando a chefe do Executivo prometeu encaminhar propostas que limitassem os gastos públicos e, na ocasião, chegou a lembrar que seu governo havia reduzido em 10,2% os gastos de custeio (para mostrar o empenho em cortar despesas). Em tempo: à época, a Câmara liderada por Eduardo Cunha jogou combustível sobre as propostas de ajuste de Dilma, e ainda inflou pautas-bomba, demonstrando o completo desprezo pela administração pública (e, por consequência, pelos brasileiros).
Para concluir, é importante dizer que ninguém é contra o serviço público ou contra o funcionalismo. Na crise do coronavírus, bendito sejam os trabalhadores e trabalhadoras do SUS, que impediram que o país afundasse em um tragédia ainda mais aguda.
Contudo, o cuidado com o gasto público precisa se tornar regra. Como já destacado aqui, o Brasil ainda se perde na incorreta premissa de que há dinheiro sobrando e, portanto, o Estado deve atender a toda e qualquer demanda. Sob esse raciocínio equivocado, a defesa do equilíbrio fiscal seria antagônica à promoção de políticas públicas, em especial saúde, segurança e educação. A verdade caminha justamente no sentido contrário, como bem lembrou o economista Aod Cunha à coluna.
Por conta do descuido com gasto público é que Estados, municípios e o país caminharam rumo a uma situação dramática, como é o caso do Rio Grande do Sul, que sequer consegue pagar seus funcionários em dia.
Em suma: descontrole com as finanças faz com que falte dinheiro para áreas essenciais e quem perde, nesta perspectiva, é sempre a população.