Para fazer frente a uma crise sem precedentes na história recente, a partir da retração econômica imposta pela pandemia, o presidente Jair Bolsonaro vestiu chapéu de couro no Nordeste e decidiu apostar em programas sociais. Algo de novo no front? Pelo contrário. O capitão, que elegeu-se com o apoio explícito de apoiadores de uma agenda neo-liberal, repete gestões petistas e anuncia nesta terça-feira (25) o programa Casa Verde e Amarela, que substituirá o Minha Casa Minha Vida, focado em ampliação do acesso à moradia.
Sim, a coluna sabe que a esquerda detesta comparações entre o atual inquilino do Palácio do Planalto e Luis Inácio Lula da Silva. E aqui cabe, de fato, uma ponderação. Não é possível fechar os olhos ao comportamento autoritário de Bolsonaro enquanto chefe de Estado, a ponto de afirmar o desejo de encher um repórter de porrada e, entre tantos absurdos, receber um torturador com honras na sede de trabalho do presidente da República. Tal atitude é repugnante e, como tal, deve ser condenada.
Voltemos à economia - sempre ela. Como explicitado na apresentação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, o governo se dividiu em duas frentes quanto à necessidade de injeção de recursos através de planos públicos para estimular a economia. O debate se deu principalmente por conta do compromisso com o ajuste fiscal e a preocupação com o endividamento. Ainda que fosse necessário gastar (Bolsonaro implementou o auxílio emergencial), a equipe econômica acendeu um alerta vermelho diante da possibilidade real de descontrole do gasto público.
Não à toa, Paulo Guedes desceu do salto e usou linguajar duríssimo contra senadores da República ao se referir à derrubada do veto que permitiria reajuste aos servidores públicos até 2012. Guedes foi salvo por Rodrigo Maia que, em pese não governista, tem demonstrado maior apreço pela agenda econômica.
Em tempo: a gênese do Bolsa Família é oriunda de 2008, quando a crise financeira que atingiu os Estados Unidos, com a quebra do Lehman Brothers, trouxe preocupação sobre os rumos da oferta de crédito no Brasil. Num primeiro momento, como mostrou reportagem do portal Uol, o governo do então presidente Lula reforçou a oferta de crédito imobiliário nos bancos públicos. Em março do ano seguinte, anunciou a criação do Minha Casa Minha Vida.
Portanto, o estímulo à economia pelo governo Bolsonaro é evidente e pode não ser de todo ruim. O ponto fundamental é saber se a medida é sustentável.
No caso de Bolsonaro - e aí também pode-se sugerir semelhança com gestões petistas - também há um olho na repercussão eleitoral para 2022. A última pesquisa do Datafolha apontou crescimento da popularidade do presidente, muito alicerçada na concessão do benefício de R$ 600 (R$ 1.200 para chefes de família).
Conclui-se, portanto, que o chapéu de couro e o programa Casa Verde e Amarela têm mais em comum do que possa imaginar a nossa vã filosofia. E até aí não há novidade.