Já reparou como sons - tanto quanto espécies animais e vegetais - entram em extinção e até desaparecem da face da Terra? Estou falando de ruídos que um dia fizeram parte da nossa rotina diária, comuns no trabalho, na escola, em casa, nos momentos de lazer, e que, de repente, devido aos avanços tecnológicos, simplesmente ficaram no passado. Silenciaram.
Talvez você se lembre (talvez, não): havia o “tec-tec” frenético dos dedos afundando na máquina de escrever (imagine isso numa redação de jornal), o “plim” da ficha caindo no famigerado orelhão e o “chhhhhh” da TV analógica na luta para sintonizar um canal (que a gente acreditava resolver prendendo um “vistoso” chumaço de Bombril na antena interna).
Tinha aquele “créééc” inconfundível do disco dos antigos telefones, o “clic’ da fita entrando no videocassete e o “grrrr” do disquete no computador. Era um mundo de barulhos de todo o tipo que simplesmente deixou de existir ou que está em vias de sumir para sempre.
Se ainda não foram sepultados ainda, devemos isso aos antiquários e aos museus. Ou à obstinação de quem não se rende às “modernidades”.
•••
Essa história dos sons que se calam é tão palpitante que - veja bem - deu origem, na Alemanha, a um projeto digital chamado Conserve the Sound (no site conservethesound.de).
É exatamente o que você está pensando: um museu online dedicado ao universo sonoro suplantado pelas inovações tecnológicas. Praticamente um “cemitério” de burburinhos.
“Como assim, museu de sons ameaçados? Isso é muito esquisito e nerd!”
“Sim, com certeza, e você vai adorar!”, diz o texto de apresentação do site, uma teteia.
Fundado por dois criativos da região de Essen (Daniel Chun e Jan Derksen, sócios em uma agência de comunicação visual), o tal repositório digital foi tema de reportagem na Deutsche Welle e de sites de notícias espalhados pelo mundo.
São cerca de 120 ruídos que já não ouvimos mais por aí, coletados pela dupla a partir de gravadores de altíssima qualidade. Você clica na imagem do item escolhido (por exemplo, um realejo de 1914), aperta o play e… ouve! Nativos digitais adoram. As gerações nascidas na era pré-internet, também. É tipo um parque de diversões.
•••
Curioso é que, na mesma medida em que estampidos, estrondos, rumores e bramidos desaparecem, novos elementos sonoros nascem a cada dia - a cada segundo, eu diria.
Quer um exemplo? As vozes de Siri e Alexa, assistentes virtuais com inteligência artificial que respondem a comandos de voz. Elas são capazes de interagir e ainda podem ajudar em (quase) tudo: pesquisas, ligações e, se você tiver uma “casa inteligente”, até dão um jeito de acender as luzes, ligar o ar e abrir as cortinas.
Têm, também, aqueles zunidos inconvenientes que, bem, esses até poderiam se escafeder, mas não: eles resistem, firmes, fortes e alheios a todos os avanços. Vou citar apenas um deles, correndo o risco de alguém aí discordar: o estrépito provocado pelos escapamentos de moto. Ninguém merece.
Picuinhas à parte, se você percorrer o site do tal museu sonoro, vai encontrar a seguinte frase: “Mesmo os sons mais terríveis merecem ser conservados”. É, pode ser.
Sou obrigada a concordar com o que diz um dos criadores da ideia. Jan Derksen acredita que os barulhos despertam memórias afetivas e que um simples “clic” pode te transportar para o passado. É verdade. Um ruído, às vezes, vale mais do que mil imagens.