Estava eu remexendo no armário, quando a avistei, lá no fundo, esquecida e coberta por uma fina camada de pó. Sorri. É sempre uma alegria encontrar fragmentos de memórias que nos transportam a um tempo bom, e algumas delas estavam ali, bem na minha frente, naquela caixa de papelão que um dia abrigou detergentes.
Entre fotografias, rolos de filme, fitas K7, um monóculo com a imagem da família no circo e outros cacarecos mais, fixei o olhar numa caixinha. Não lembrava dela. Abri. Encontrei 10 disquetes de computador de 30 anos atrás, com algumas pistas do que continham, escritas à mão: “meus textos”, “dezenhos (sic)”, “festa!”, assim mesmo, com ponto de exclamação.
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Hoje obsoletos, eles eram o que havia de mais moderno em armazenamento de dados até o surgimento de CDs, DVDs, cartões de memória, HDs externos, pen-drives e a famosa “nuvem”. É nela - sabe Deus onde - que quase todos passamos a guardar imagens, vídeos, documentos e todo o tipo de lixo virtual.
Mas e os disquetes? Fiquei especialmente curiosa com os tais textos. Seriam redações que escrevi para o professor Elstor, de portguês? Ou artigos que, do alto dos meus 17 anos, me achando Hemingway, eu enviava para a Gazeta do Sul? Não faço ideia.
Sempre que a gente inseria um desses discos no computador, era bom acender uma vela para o santo: nunca se sabia se ia funcionar. Fazia um barulho assim: grrrrrrrrrr. Cansei de perder arquivos quando o grrrr virava GRRRR. É, vivíamos perigosamente.
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Falando em viver perigosamente, li com gosto a última crônica da Giovana Madalosso na Folha - se você não a conhece, procure saber. Em um texto delicioso, ela recorda coisas absurdas e hilárias que fazíamos nos anos de 1980 e 90, como viajar entre sete num carro (todos sem cinto!), oferecer cigarros de chocolate a crianças e pular na piscina sem saber nadar. Ela conclui: éramos selvagens.
Lembrei de uma manhã ensolarada, quando meu pai baixou o banco traseiro do nosso Fiat Panorama 1.3, ano 1985, cor bege, e carregou o carro com barracas, víveres, isopor, cervejas e refris, cadeiras e varas de pesca. Entre o teto e as tralhas, restou um vão de 40 centímetros. Ali, ele estendeu um colchonete, sorriu satisfeito e me disse, faceiro: “Sobe!”
Você não imagina a felicidade da guria de 6 anos ao viajar 40 quilômetros até o balneário Santa Vitória, em Rio Pardo, deitada lá em cima. Foi uma festa. E ninguém se preocupou.
Éramos selvagens. Somos sobreviventes.
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Pois os misteriosos disquetes também sobreviveram. Não tenho mais como saber o que guardam. Alguns, estou certa, contêm as criações da Fundindo a Cuca Cia Ltda, “microempresa” que eu e a minha amiga Paty inventamos na época do colégio para criar e vender convites para eventos. Durou menos de um mês.
Pensando bem, talvez seja melhor mesmo não saber o que guardam aqueles quadrados de plástico. Os 10 disquetes permanecerão sagrados, tanto quanto a única regra realmente temida e obedecida com respeito solene pelos bárbaros que viveram os loucos anos de 1980: podia-se fazer qualquer coisa, mas “ai” de você se ousasse misturar melancia com leite. Isso nunca! Jamé! Aí já era demais.