Foram dois meses de espera para conseguir reservar uma mesa. Agora, finalmente, você vai poder viver a experiência de degustar um daqueles pratos sensacionais que viu tantas vezes na tela do celular - sempre em posts de gente bacana. Você também quer ser bacana e postar tudo no Instagram, aquela rede social onde a vida (dos outros) é sempre perfeita.
Chegou a tão esperada noite. Você entra no restaurante e, de cara, é mal atendido. Deixa por isso mesmo - “o garçom deve estar num mau dia” - e faz o seu pedido.
Parece uma obra de arte: tudo muito “clean”, tudo muito “poser”, tudo muito pouco. Com certeza, o chef usou uma pinça para finalizar a decoração do prato, com direito a espuma saborizada e fumacinha (deve ter um nome em inglês para isso também).
Antes de qualquer coisa, é preciso fotografar, selecionar a melhor imagem, dar aquele brilho, ajustar a cor, aplicar um filtro e publicar. Na legenda, um clássico: “Gratidão”. Pronto!
Você dá a primeira garfada, esperando o sabor incomparável. Vem a segunda decepção: a comida é ruim. Melhor tentar a sobremesa.
É, também não é lá essas coisas. Você pensa na torta de bolacha da sua mãe.
Hora de pedir a conta. Caro! Um acinte. Mas… é instagramável. Você então faz uma selfie caprichada, sorrindo e olhando confiante para a câmera, antevendo a chuva de “likes”.
Quem nunca fez um papelão desses ou caiu numa armadilha do tipo? Provavelmente, só aqueles que ainda resistem ao mundo virtual. Nesse universo paralelo orquestrado pelos algoritmos, as arapucas estão por todos os lados: na praia paradisíaca e deserta que, na verdade, é suja e superlotada, no muro multicolorido e fotogênico que esconde um lixão, no mirante encantador onde é preciso encarar meia hora de fila para tirar uma foto (e ter direito a 30 segundos de contemplação).
A coisa toda virou um negócio. Já existem listas dos lugares “mais instragramáveis do mundo” (e isso vale também para TikTok, Facebook e o que mais houver). Há hotéis, lojas, confeitarias, casas noturnas e bares com ambientes hiperdecorados, pensados sob medida para atrair o público das redes.
A turma do marketing não tardou a descobrir que posts e curtidas são o novo “boca a boca”, com a vantagem de que cada publicação tem um alcance infinitamente maior. O impacto é ainda mais extenso quando se contrata um “influencer” para “dar o start”. Se o estabelecimento viralizar, não tem erro: no dia seguinte, haverá clientes aos borbotões.
A crítica também é hipócrita, afinal, as armadilhas só existem porque nós, humanos, somos vaidosos por natureza. Todo mundo quer estar “bem na foto”. Só que a busca pela perfeição também é perversa. Não é à toa que a saúde mental das pessoas anda aos frangalhos. E isso não aparece nas redes.
Proponho, pois, um desafio. Neste fim de semana, vou fazer uma fotografia de um prato de comida delicioso e nada instagramável e - doce vingança! - vou postar no meu perfil (@ju_bublitz) no Instagram. Quem me acompanha? Se aderir, já sabe: prepare-se para perder seguidores.