Não há dúvida de que o leilão do Cais Mauá vai reconfigurar o centro histórico de Porto Alegre. A revitalização dos 12 armazéns tombados, esperada há mais de três décadas, trará uma nova circulação para a cidade.
Mas não é só isso que está previsto no projeto de Parceria Público Privada (PPP) proposto para ser desenvolvido por investidores na região. A concessão também vai permitir a construção de prédios residenciais e comerciais na área das docas.
E o estudo de viabilidade urbanística do Cais Mauá, aprovado em junho de 2022 pela prefeitura, permitirá o surgimento de prédios de 150 metros na região, ou seja, edifícios com até 50 andares. Se a proposta for tirada do papel, o edifício Santa Cruz - com 107 metros de altura - deixará de ser o mais alto da cidade.
Prédios altos não são comuns na Capital. Quando surge alguma proposta neste sentido, protestos são realizados a fim de tentar demover os investidores da ideia. Recentemente, um projeto de construção de um edifício de 98 metros, com 41 andares, chamou a atenção. Pela projeção feita, o imóvel fará sombra na Catedral Metropolitana e no Palácio Piratini.
O secretário estadual de Parcerias e Concessões (Separ) sabe que o assunto é polêmico. Mas Pedro Capeluppi se diz confiante no prosseguimento do projeto, porque já houve a aprovação do estudo de viabilidade.
- Qualquer intervenção, qualquer prédio, qualquer casa, tudo o que é construído numa cidade, tem que obedecer o plano diretor daquele município. O que pode ser construído na região das docas é o que está autorizado pelo plano diretor do município de Porto Alegre. Tem uma limitação ali. Não pode construir o que quiser. Não existe construir arranha-céus se o plano diretor do município não autoriza arranha-céus. Então, tem um limite, tem um gabarito ali que precisa ser obedecido - destacou o secretário Pedro Capeluppi, em entrevista ao Gaúcha Atualidade de quarta-feira (20).
Proposta atrativa
O secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), Germano Bremm, informa que a aprovação do estudo de viabilidade dá mais segurança ao investidor. E a eventual alteração prevista para o novo plano diretor da cidade não irá mudar o que já foi autorizado para construção na área do Cais.
- Sem dúvida vai ter polêmica. Mas precisamos colocar algo lá que pague a conta da recuperação dos armazéns - informa Bremm.
Em novembro de 2021, a Câmara de Vereadores já havia aprovado a revisão do Plano Diretor do Centro Histórico. O projeto, proposto pela prefeitura, alterou regras para construção na região. Próximo da rodoviária, por exemplo, foi autorizada a construção de edifícios de até 200 metros de altura. O limite anterior era de 52 metros. Além disso, em junho do ano passado, o projeto de revitalização do Cais foi apresentado à sociedade, quando o tema também foi discutido.
- Estamos vacinados com a audiência pública, (que contou) com ampla participação - destaca Bremm.
Poucos acessos
O acesso aos prédios, porém, é algo que precisará ser observado pelo construtor. A área das docas é separada da Avenida Mauá pelos trilhos do Trensurb. Neste local, não há possibilidade de derrubada de muro. Seria necessário rebaixar ou elevar o metrô, um processo caro, e de responsabilidade do governo federal.
Dessa forma, a opção seria construir passagens subterrâneas por baixo dos trilhos. E o edital traz essa possibilidade ao construtor. Ela surgiria próximo à Estação Rodoviária, no início da Avenida Mauá.
O leilão está previsto para ocorrer em 21 de dezembro. A expectativa do governo do Estado é ter o contrato assinado até o fim do primeiro semestre de 2024. As primeiras obras, na região dos armazéns, seriam realizadas no segundo semestre. Dessa forma, os frequentadores já conseguiriam usufruir da revitalização a partir de 2025.
Para cada uma das três etapas cumpridas, o governo se compromete a repassar os prédios da região das docas. Toda a revitalização nos 12 armazéns precisará ser concluída até o fim do quarto ano de contrato.
Urbanismo
Para o arquiteto e urbanista Anthony Ling, criador do site Caos Planejado, o que contamina esse debate é que a preferência pessoal invade uma opinião que deveria ser técnica. Ele acredita que o projeto prevê a preservação na área dos armazéns do Cais. O mesmo não seria necessário para a área das Docas, que é hoje uma região que "nunca teve interesse ou debate referente à cultura e paisagem da cidade".
- Não gosto de propor um modelo único para todo mundo morar. Normalmente, a opção que é restrita é a de maior densidade. A densidade permite menos tempo de deslocamento e custos de infraestrutura. Esse é um ponto central. Os planejadores veem a densidade como algo ruim, e impedem que as pessoas tomem esse tipo de decisão de trade off (expressão que significa o ato de escolher uma coisa em detrimento de outra). Eu não sou um desses. Essas preferências deveriam poder ser exercidas, e nesse caso, eu não veria problemas na construção de um prédio de 50 andares nessa localidade de Porto Alegre - avalia Ling.