A polêmica envolvendo as obras do entorno da Arena do Grêmio, assunto que gera discussões desde 2012, ganhou mais um novo capítulo e evidenciou o distanciamento de posições. De um lado está o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS). De outro estão a Arena Porto Alegrense, a construtora OAS, a empresa Karagounis e o clube gaúcho.
Em março, a prefeitura de Porto Alegre encaminhou uma nova minuta de proposta de acordo. Nela, uma empresa seria criada: a Arena 2. Caberia a ela ser a responsável pelo gerenciamento das obras. Um depósito judicial de R$ 12 milhões seria feito. As melhorias previstas seriam realizadas ao longo de quatro anos e somariam um investimento de R$ 43 milhões.
Os promotores rejeitaram essa proposta. Na interpretação feita, a nova ideia lançada teve o objetivo maior de garantir a compra da gestão da Arena ao Grêmio e não a realização das obras do entorno do estádio.
"Na proposta de acordo agora analisada, todavia, a estrutura negocial alterou-se radicalmente, emergindo da formatação criada uma evidente preponderância de outro negócio, qual seja, a aquisição da Arena do Grêmio pelo Grêmio Football Porto Alegrense, posicionando-se secundariamente as obras necessárias de entorno do estádio estabelecidas por decisão judicial através de compensação ambiental e urbanística", diz o documento.
Segundo o promotor Ricardo Schinestsck Rodrigues, secretário-executivo do Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição do MP-RS, a empresa apontada como a responsável pelas obras sequer existe. Isso dificultaria acioná-la caso as contrapartidas deixassem de ser executadas.
"Não é possível que agentes públicos possam resolver o cumprimento de sentença aceitando que uma empresa INEXISTENTE – Arena II -, NÃO OPERACIONAL e SEM QUALQUER PATRIMÔNIO, que ademais será controlada pela OAS, devedora das obras a serem executadas por força de ser a proprietária da Arena do Grêmio, controladora da empresa Karagounis e principal obrigada no acordo originário, seja o agente principal para a execução das obras de compensação ambiental. Seria, no mínimo, temerário, podendo, de resto, configurar burla ao processo que tramita junto à Vara de Recuperação Judicial em São Paulo", revela outra parte desta resposta encaminhada pelos promotores à prefeitura.
- Como medida propositiva, poderíamos resgatar as bases do acordo de 2019, não aceito pala Caixa Federal, devem servir de alicerces para a evolução das negociações, e que o MP aguarda os demais atores para a retomada dessa construção, conforme explicitou na resposta entregue ao Município - destaca o promotor Ricardo Schinestsck Rodrigues.
O Grêmio entraria na parceria como garantidor. Os recursos viriam dos valores arrecadados com os sócios e das lojas Grêmio Mania. Na proposta, segundo os promotores, não ficou claro o que ocorreria se os pagamentos não fossem feitos, principalmente agora durante a pandemia do coronavírus, quando a arrecadação com sócios e vendas nas lojas diminuiu.
Além disso, as garantias dadas se limitariam aos R$ 43 milhões. Se a obra não fosse concluída, mas o montante fosse atingido, pela proposta, não haveria mais necessidade de se fazer qualquer investimento na região.
O diretor jurídico do Grêmio contesta o posicionamento do MP. Diz que a responsabilidade pelas obras não é do clube. Segundo Nestor Hein, a empresa - Arena 2 - chegou a ser criada, mas como a proposta não foi aceita ela foi fechada.
Sobre a possibilidade de inadimplência dos pagamentos, Hein lembra que o Grêmio continua com suas obrigações em dia. Os pagamentos destinados à Arena Porto Alegrense seguem ocorrendo normalmente.
- O que aconteceu neste acordo foi que a empresa procurou o Grêmio porque ela queria sair do negócio e o Grêmio assumiria o lugar dela na construção. O Grêmio montou uma operação sobre a qual o Grêmio tinha a certeza do cumprimento da obrigação. Ninguém pode aventar que, com a pandemia, o Grêmio não faria o negócio. É obvio que há mecanismos de seguro, capazes de encontrar outras receitas, para manter qualquer empreendimento de pé ou não - diz Hein.
Essa foi a quinta tratativa construída desde 2012 e que teve desfecho negativo. As obras no entorno da Arena do Grêmio completaram, em março, cinco anos paradas.
Por meio de nota, a Arena Porto Alegrense se manifestou. Destacou que o último acordo propôs realizar as mesmas obras do pacto anterior. Houve até um avanço, segundo a empresa. As melhorias seriam feitas em prazo menor:
Em relação à manifestação do Ministério Pública do Rio Grande do Sul (“MPRS”) na reportagem intitulada “Os motivos que fizeram o MP barrar acordo para concluir o entorno da Arena do Grêmio”, publicadas em GaúchaZH do dia 03 de julho de 2020, a Arena Porto-Alegrense (“Arena”), por intermédio do seu advogado, Eduardo Peña, declara que respeita a decisão do MPRS de não celebrar o acordo proposto, mas que, com respaldo jurídico, discorda das justificativas apresentadas.
Ao contrário do que foi dito, as bases da proposta apresentada pela Arena são absolutamente iguais às do acordo ofertado pela Karagounis e aceito em 2019 pelo Ministério Público.
Com efeito, as obras a serem executadas são as mesmas e tem idêntica estimativa de valor, amparada por orçamentos elaborados pelo corpo técnico do Município e aceitos pelo TCE e pelo próprio MPRS.
De outro lado o prazo de execução das obras é significativamente menor no acordo proposto pela Arena, reduzindo de 6 (seis) para 4 (quatro) anos.
A garantia sugerida pela Arena é amplamente utilizada no mercado e, diferente do argumentado, é 10% maior do que o valor do orçamento das obras e muito superior, qualitativamente, à garantia da proposta anterior: um terreno que dependeria de liquidação em caso de inadimplência.
Importante ressaltar, ademais, que o acordo proposto pela Arena inclui um depósito em conta Judicial do valor de R$ 12 milhões, no ato em que passar a surtir efeitos, garantia que inexistia no acordo ofertado pela Karagounis, o que o torna incomparavelmente mais atraente, frente a diminuição do risco.
Por fim, entende a Arena que não há risco de afronta à Recuperação Judicial do Grupo OAS, pois está já foi concluída. Ademais, nunca foi incluída neste processo, tendo plena disponibilidade para contratar.
De qualquer sorte, a Arena mantem-se firme no propósito de contribuir para a solução desta questão tão cara a Porto Alegre e absolutamente disposta a retomar as negociações para alcançar um acordo que atenda os principais interesses dos envolvidos.
Entenda a polêmica
Em 2008, quando assinou o contrato para construir a Arena do Grêmio, a OAS assumiu o compromisso de realizar uma série de obras exigidas pela prefeitura de Porto Alegre. Porém, em abril de 2012, o então prefeito José Fortunati; o procurador-geral do município, João Batista Linck Figueira; e sete secretários municipais assinaram, com representantes da construtora, um termo de compromisso no qual a prefeitura se responsabilizava pela responsabilidade por todas as obras viárias na região deixando para a empresa as melhorias ocorridas em escolas, creche comunitária, associação de moradores.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul questionou o documento e prometeu ingressar na Justiça. A Arena foi inaugurada em dezembro daquele ano sem uma série de obras que oportunizariam melhorias no acesso ao estádio.
Em agosto de 2013, a prefeitura estimava que todas as obras custariam R$ 128 milhões. Uma Ação Civil Pública foi ajuizada naquele ano e o acordo foi homologado em 2014. Por meio dele, foram redefinidas as obrigações para a realização das obas do entorno da Arena do Grêmio. Neste ano, o Ministério Público pediu o cumprimento do acordo firmado com a OAS para a execução das obras.
Em novembro de 2014, pressionada pelo Ministério Público, a administração municipal voltou atrás e revogou documento que assumia todas as obras. Um mês depois, a prefeitura abriu mão de 30% das melhorias que seriam realizadas no entorno da Arena para garantir um acordo com a construtora.
Entre as justificativas estava o temor que a discussão judicial poderia se arrastar por mais de uma década, o que protelaria a necessidade da realização das melhorias. De acordo com a prefeitura, esses 30% de obras não seriam tão significativos se comparados com a espera pelo julgamento definitivo da ação. A justificativa foi aceita pelo Ministério Público.
As obras do entorno da Arena ocorreram entre dezembro de 2014 e pararam em março de 2015. A empresa entrou em recuperação judicial naquele ano, o que dificultou o cumprimento do acordo. Segundo o acordo, se os serviços não fossem realizados ou se houvesse execução parcial das obras estabelecidas, a construtora receberia multa diária de R$ 5 mil.
Com as obras paradas em 2017, uma decisão judicial determinou a suspensão da emissão do Habite-se, por parte da prefeitura, de cinco das sete torres do complexo de prédios residenciais que foram erguidos ao lado da Arena do Grêmio. Em junho do mesmo ano, o Ministério Público informou que preparava uma ação para cobrar da OAS e das empresas do grupo as contrapartidas definidas.
A prefeitura e o Ministério Público retomaram as negociações no final de 2017, a partir da manifestação da Karagounis, que se prontificou em assumir às obras. Em dezembro, a proposta da empresa foi oficialmente apresentada ao Ministério Público.
Em junho de 2018, a prefeitura aceitou uma nova redução das compensações que a empresa precisava fazer. Deixaram o rol de obras a serem feitas a construção de um terminal de ônibus, prolongamento das avenidas Voluntários da Pátria e Gilberto Lehnen, a construção de laços de quadra da avenida A. J. Renner e rua Dona Teodora, a reformulação do trecho já duplicado da A. J. Renner e a reformulação dos acessos entre as avenidas Farrapos e A. J. Renner.
A retirada dessas melhorias do acordo ocorreu porque houve revisão dos investimentos que a região receberia. Na concepção original do chamado Complexo Arena havia a construção de salas comerciais, um hotel e um shopping center não serão mais construídos.
Em 8 de março de 2019, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) revogou uma medida cautelar que impedia a assinatura do acordo entre a prefeitura de Porto Alegre e a Karagounis.
A ação permitiu a retomada da proposta que mais próximo teve de contemplar todos os interesses. Porém, o fundo gestor da Caixa, que financiou as obras da Arena, não aceitou que uma empresa que não fosse a OAS, se responsabilizasse pelas melhorias.
Em novembro de 2019, o Grêmio chegou a cogitar assumir, então, os trabalhos. Porém, a ideia foi rapidamente descartada. A última delas, a que foi descartada pelo MP, começou a ser costurada no começo de 2020 e também não evoluiu. https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/jocimar-farina/noticia/2020/07/mp-barra-novo-acordo-para-retomada-das-obras-do-entorno-da-arena-do-gremio-ckc4rhio5001s014yow9hoinp.html