“Às vezes, o corpo precisa adoecer para que a alma se cure.” (Reinaldo Ribeiro)
Não se trata do desejo de que alguém adoeça para fazer da sua experiência pessoal um contraponto para nossa rotina de médicos saudáveis, mas sim de considerar que se possa transformar uma experiência originalmente assustadora numa forma didática de aprendizado.
Habituados a décadas de atividade médica, sempre no lado bom da relação médico/ paciente, protegidos pelo cercadinho da saúde, é compreensível que tenhamos uma visão distorcida do adoecer quando ficamos inesperadamente no centro dos acontecimentos e, pela primeira vez, impedidos de transferir para alguém o protagonismo de uma doença exclusivamente nossa.
Como o medo do desconhecido é inerente mesmo ao ser humano mais primitivo, não faz o menor sentido a intenção do médico para convencer-nos do contrário. Mas como essa não é hora de ostentar prepotência, não custa nada valorizarmos o esforço que o profissional faça para tranquilizar-nos. Na mesma medida, é adequado que tenhamos um comportamento receptivo às mensagens otimistas dos amigos, relevando a enxurrada de clichês, porque, afinal, antipatia nessa hora não é recomendável, e ninguém vai adivinhar que suas mensagens cheias de esperança tiveram impacto zero nas nossas noites de insônia.
A caminho do hospital, recomenda-se silêncio total à tropa de apoio emocional, porque não há tarefa mais inglória do que tentar distrair um sofredor.
A primeira percepção que temos é que todas as doenças, quando nossas, parecerão gravíssimas, e é bobagem tentar convencer o portador do contrário. A caminho do hospital, recomenda-se silêncio total à tropa de apoio emocional, porque não há tarefa mais inglória do que tentar distrair um sofredor. A intolerância ao papo tranquilizador é absoluta, acrescentando irritação a quem tenta administrar os surtos recorrentes de pânico.
A tentativa do paciente de racionalizar seu próprio medo, que se apresenta de permeio com espasmos de valentia, também é contraditória, e pensamentos racionais como, por exemplo, fornecer o segredo do cofre ao filho mais velho são imediatamente neutralizados pela consciência de que essa providência, de aparência racional, poderia ter dupla interpretação, nenhuma delas lisonjeira:
— Realmente, o vô está em pânico, ele que sempre foi o primeiro em palpitar na doença dos outros.
Ou:
— Que velho danado, mesmo morrendo ele não abandona a pose de comandante!
E a conclusão silenciosa era previsível: “Danem-se! Se der tudo errado, que arrombem o cofre!”.
Como o hospital em que serão tratados passará a fazer parte da memória afetiva deles, é melhor que valorizemos os detalhes, porque esses farão toda a diferença nos seus registros emocionais, e então comecemos pela admissão confiando que a primeira impressão é a que fica.
Não é necessário que os funcionários da recepção levantem quando for anunciada a chegada do paciente, mas é simpático cumprimentá-los assim, perfilados. E aqui a primeira constatação positiva: é possível banir a burocracia da internação hospitalar, desde que as pessoas sejam objetivas e bem treinadas. A descoberta de que é possível chegar ao leito da internação em tempo menor do que a muitos acessos ao teatro desfaz o estigma de que o processo é inevitavelmente lento.
A rotina tecnicamente perfeita, que obriga o paciente a repetir seu nome completo e a data do nascimento umas 20 vezes por dia, carrega a noção da importância da checagem constante como prevenção do erro. Mas, sem dúvida, a mais eficiente estratégia para conquistar o cliente é a sensação permanente de que está sendo cuidado por pessoas selecionadas por inteligência emocional e empenhadas a dar ao paciente, não importa quem ele seja, a certeza de que seu médico ter escolhido aquele hospital não teve nada de causalidade.