"Um amigo me chamou para ajudá-lo a cuidar da dor dele. Guardei a minha no bolso. E fui. Não por nobreza: cuidar dele faria com que eu me esquecesse de mim." (Caio Fernando Abreu, em Pequenas Epifanias)
Durante o meu curso de Medicina, muitas vezes ouvi de professores renomados que o médico não devia se aproximar emocionalmente do paciente porque isso lhe reduziria a imparcialidade do julgamento nas decisões mais difíceis.
Esta é uma das mais antigas e reiteradas falácias da antiga pedagogia médica. Como a nossa tendência é acreditar em tudo o que os mestres dizem, desperdicei um tempo precioso até perceber que o que me deixava tão desconfortável era, na verdade, uma teoria fajuta, pseudocientífica, propalada por médicos que, de tão rígidos de afeto, não conseguiam de nenhuma maneira desenvolver empatia com o paciente em sofrimento, e essa desculpa esfarrapada possivelmente lhes aliviava a sensação de culpa, se é que sentiam alguma.
Quem já adoeceu reconhece que nenhum socorro significa tanto quanto a parceria incondicional no sofrimento.
Minha redenção, que já tinha começado durante a residência médica, quando percebi o quanto os pacientes gostavam de ser abraçados, se sacramentou ao deparar com esta famosa frase de Hélio Pellegrino (1924-1988), um maravilhoso psiquiatra carioca, que escreveu: "As pessoas adoecem por falta de relações pessoais sólidas. Se lhes oferecermos impessoalidade e neutralidade, estaremos dando o que lhes provocou a doença. Temos que promover o encontro, e não existe encontro impessoal. Impessoal é o desencontro".
A recomendação de que o médico deve preservar a sua integridade emocional porque ela lhe dará condições plenas de melhor proteger quem está no turbilhão do sofrimento é uma obviedade. Assim também como se reconhece que o convívio prolongado com situações extremas de desespero e morte pode causar transtornos emocionais agudos, como a Síndrome de Burnout, atribuível a uma exagerada sobrecarga na nossa "mochila emocional", multiplicada pela sensação repetida de impotência, como se observou, à exaustão, durante a pandemia.
Mas não era dessa circunstância, felizmente rara, que se precaviam os arautos da impessoalidade. O que falharam em convencer era que devíamos manter uma independência protetora dos sentimentos dos pacientes, como se isso nos preservasse mais habilitados a ajudar.
Quem já adoeceu e de alguma maneira se sentiu ameaçado reconhece que nenhum socorro significa tanto quanto a parceria incondicional no sofrimento, essa que dá naturalidade ao abraço como um substituto natural do discurso.
E que faz da disponibilidade permanente a afirmação de que não existe hora extra na tarefa, às vezes exaustiva, mas sempre gratificante, de cuidar do outro.