"Para os corações generosos, os sinos podem ser dispensados, porque o Natal acontece todos os dias." (Milton Meier)
Se o Natal não for mais do que o reencontro de familiares que não se visitaram durante o ano, alguma coisa está mal-entendida ou desperdiçada. Mesmo que por agnosticismo se abstraia aspecto religioso, e se pretenda ignorar o simbolismo do Natal, há nesta data muito mais encanto do que a euforia das crianças à espera dos presentes e do riso disfarçado dos avós, antevendo a alegria dos netos ao descobrirem o quanto são amados.
Só essas reações triviais já bastariam para justificar as comemorações, as ruas iluminadas, os cartões generosos, a mesa farta e os abraços sacudidos. Mas algumas pessoas (e que bom que elas existem) extrapolam os limites do rotineiro e revelam, de maneira original, sentimentos cultivados, como se estivessem aguardando o ano inteiro para anunciar: "Oi pessoal, vejam só, eu estou aqui!".
Carlos Ari, um médico carioca, cumpria naquele 24 de dezembro uma tradição de mais de 20 anos. Confessara aos amigos que nada o encantava mais do que, na véspera de Natal, subir o morro da favela, carregado de presentes e vestido de Papai Noel.
No resto da descida, o suor ganhou a companhia das lágrimas escorrendo pelo seu rosto sorridente.
Naquele ano, numa tarde de calor infernal, mais velho, fôlego curto e cada vez mais parecido com Papai Noel, ele fez várias paradas na subida para recuperar o ar, mas quando chegou ao topo e abriu o saco dos presentes, o sorriso da garotada lhe dissipou o cansaço.
Terminada a comemoração, de alma lavada, iniciou o caminho da volta. A descida lhe favorecia a marcha, mas ele continuava suando muito quando foi interrompido pelo chamado insistente de um garoto, que gritava: "Papai Noel! Papai Noel!". Um pouco irritado, perguntou: "O que você quer, menino? Eu não tenho mais presentes!". E o garoto completou: "Desculpe, Papai Noel, eu só queria mandar lembranças pra Deus!".
No resto da descida, o suor ganhou a companhia das lágrimas escorrendo pelo seu rosto sorridente. Naquele dia, ele entendeu por que Papai Noel parece sempre tão feliz. Em contrapartida nada contrasta mais com o espírito do Natal do que a solidão, que é trágica em qualquer idade e inconcebível na infância.
Segundo Galeano, Fernando Silva dirigia um hospital infantil na Nicarágua. Na véspera de Natal, ficou trabalhando até muito tarde. Já estavam soltando foguetes e começavam os fogos artificiais a iluminar o céu quando Fernando decidiu ir embora. Em sua casa, o esperavam para festejar. Fez então uma última visita às enfermarias, vendo se tudo estava em ordem, quando sentiu que alguns passos o seguiam. Uns passos de algodão: voltou-se e descobriu que uma das crianças andava atrás dele. Na penumbra, o reconheceu. Era um menino que estava só. Fernando identificou seu rosto já marcado pela morte e aqueles olhos que pediam desculpa ou, talvez, pedissem permissão. Fernando se aproximou, e o menino o tocou com a mão, implorando. "Diga a...", sussurrou o menino, "Diga a alguém que estou aqui...".
No desespero, não há consolo maior do que saber que, em algum lugar, há alguém. Por nós.