Lançado pelo Amazon Prime Video, O Natal do Pequeno Batman (Merry Little Batman, 2023) prova que, no meio de tantos filmes natalinos que lotam as plataformas de streaming nesta época do ano, de vez em quando surge um que não tem gosto de panetone velho — caso, por exemplo, de Trocados (2023). Esta comédia da Netflix estrelada por Jennifer Garner e Ed Helms é sobre uma família que, no dia mais importante da vida dos pais e dos filhos, troca de corpos. A situação já havia sido bastante explorada por títulos como Sexta-Feira Muito Louca (2003), De Repente 30 (2004, com a própria Garner), Se Eu Fosse Você (2006), Eu Queria Ter a sua Vida (2011), 17 Outra Vez (2017) e Vice-Versa (2020). A única piada mais ou menos nova é que o bebê muda de lugar com o cachorro, mas os efeitos de computação gráfica são toscos para além do engraçado.
O Natal do Pequeno Batman também remete a um clássico, é verdade, e de certa forma também promove uma troca de corpos. Mas não se prende à citação, e os corpos por si só são uma atração inusitada, um frescor visual neste longa-metragem de animação.
Dirigido por Mike Roth, egresso da série animada Apenas um Show (2010-2017), o filme se destaca pela arte inspirada no trabalho do cartunista britânico Ronald Searle (1920-2011), que publicava em revistas como Life e The New Yorker. Os personagens têm corpos desproporcionais, com torsos enormes e braços e pernas finos. O queixo de Bruce Wayne (voz do ator Luke Wilson no original) é extremamente longo e pontudo, enquanto o rosto decrépito do mordomo Alfred Pennyworth (dublado pelo grande James Cromwell) beira o asqueroso. A mansão da família Wayne remete a uma catedral gótica, e o Batmóvel é gigantesco.
A trama escrita por Morgan Evans e Jase Ricci é centrada em um personagem dos quadrinhos que ainda não deu as caras nas produções cinematográficas com atores de carne e osso: Damian Wayne (voz de Yonas Kibreab), o filho de Batman com Talia Al Ghul, portanto neto do vilão Ra's Al Ghul — pai e filha apareceram na trilogia dirigida por Christopher Nolan. O tom aqui é de comédia solta e quase alucinada, mas a exemplo de Lego Batman: O Filme (2017), que aborda a solidão do protagonista e seu medo de se ferir emocionalmente, O Natal do Pequeno Batman também examina aspectos psicológicos do Homem-Morcego.
Neste universo ficcional, o Cavaleiro das Trevas extinguiu o crime em Gotham City. Sem bandidos a caçar, Bruce transformou-se em um legítimo pai-helicóptero, superprotegendo o menino Damian — o que não deixa de ser compreensível, considerando o trauma avassalador que sofreu na infância. Seu presente natalino é um cinto de utilidades recheado de equipamentos de segurança, incluindo band-aids, e sem nada que possa machucar — o bat-arangue é de espuma!
No dia do Natal, Batman recebe um chamado inesperado da Liga da Justiça e precisa se ausentar, mas promete voltar a tempo para a ceia, à noite. É a deixa para os roteiristas prestarem homenagem a Esqueceram de Mim (1990): Damian dá um jeito de tirar Alfred de casa, porque quer treinar seu super-heroísmo, mas acaba deparando com uma dupla de assaltantes. Que, evidentemente, estão ligados ao arqui-inimigo do Cruzado Mascarado, o Coringa (dublado com muito talento por David Hornsby). O Palhaço do Crime não é o único vilão em cena: também aparecem o Pinguim, a Hera Venenosa e Bane. Ah, e numa deliciosa piada referencial, a gata dos Wayne se chama Selina — como em Selina Kyle, a Mulher-Gato.