"Somos todos águas de diferentes rios, por isso é tão fácil se encontrar." (John Lennon e Yoko Ono, em We're All Water)
Intuí que ia mesmo receber um tipo criativo, inteligente e ousado. Autorreferido como "um provável futuro colega necessitando de ajuda, e não tendo dinheiro para pagar uma consulta". Assim, sem preâmbulos ou o tradicional "quem me mandou aqui foi...".
Com essa objetividade, a evolução dessa conversa era previsível e o discurso estava pronto: "Estou atrapalhado, não sei bem o que fazer da vida, gosto das coisas que você escreve no jornal, e acho que pode me dar umas dicas!".
Com 17 anos e meio, uma cara bonita batendo à porta do vestibular, atropelando as palavras de tão ansioso, foi direto ao ponto: "Gostaria de trocar umas ideias contigo, porque assisti a uma palestra tua sobre as pessoas que fazem a diferença e me dei conta que claro que eu quero fazer diferença, mas eu não tenho nada daquelas coisas que você falou".
Encantado com a sinceridade e transparência, meu primeiro impulso foi considerar a possibilidade de adoção.
Encantado com a sinceridade e transparência, meu primeiro impulso foi considerar a possibilidade de adoção. Mas logo descobri que pai médico ele já tinha, então me dispus a ouvir, consciente de que não há tarefa mais difícil e de maior responsabilidade do que a aconselhar um adolescente sobre o que fazer, principalmente não estando acostumado a conversar com jovens com dúvidas nesta fase da vida em que eles esbanjam certezas.
Os que viveram, como eu, uma parte significativa do século passado somaram experiência suficiente para reconhecer com algum estarrecimento a aceleração do ritmo da vida, que se tornou rotina no século atual.
Como sempre, as mudanças foram e continuarão sendo mais intensamente sentidas na juventude, que, por imaturidade, representa a extremidade do espectro onde mais as transformações repercutem. A pressa de viver, a cultura de "tudo pra ontem" mudou completamente o jeito de planejar o futuro, porque, como já prenunciara John Lennon, "a vida é o que acontece lá fora enquanto você está ocupado fazendo outros planos". Para quem está focado exclusivamente em viver o hoje, planejar o futuro parecerá sempre um desperdício de anos preciosos na busca da tal qualificação.
Tendo referido um tempo médio de cinco anos em pós-graduações, depois dos seis anos de faculdade, para obter-se as credenciais para pretender reconhecimento profissional, ele se apressou em encerrar com a seguinte frase: "E sem nenhuma certeza de que se vá conseguir!".
Quando a nossa conversa se transformou num bate-pronto, ficou cada vez mais evidente a surpresa/decepção com o tempo médio a ser "desperdiçado".
A pergunta seguinte veio carregada de futuro: "E você acha que a inteligência artificial pode encurtar esse caminho?". De novo, a pressa e a esperança, sem nenhuma garantia, mas eu percebi a urgência de atenuar a ansiedade do garoto e respondi: "Acho bem provável que sim". O sorriso meio forçado tinha gratidão ao reconhecer que eu estava determinado a parecer otimista, ainda que sem evidência de segurança.
De alguma maneira, ele percebeu que a ansiedade tinha mudado de lado e fez uma pergunta redentora para mim: "E valeu a pena pra você?". Aliviado por ter sido colocado na minha seara predileta, devolvi: "Valeu, e muito!". E então festejei poder usar a minha mensagem favorita: "E pode acreditar, meu garoto, sempre que você encontrar um velho bem-sucedido, pode ter certeza que ele carrega um segredo no seu coração. Ele trocaria tudo o que conquistou na vida pela sua idade e a chance de, quem sabe, com um pouco mais de coragem, conseguir fazer tudo outra vez e melhor".
Difícil garantir que tenha ido embora convencido, mas pela força do abraço na despedida eu diria que sim.