Os psiquiatras consideram normal que as crianças curtam um amigo imaginário. Isso ocorre com frequência maior do que se imagina e aparentemente não depende do quanto elas possam se sentir sozinhas. Seria apenas uma fantasia inofensiva que oferece graciosamente um confidente, disponível como poucos e confiável como nenhum outro.
Curiosamente, já encontrei pacientes bem velhinhos, olhados com desconfiança pelos mais generosos e tidos como dementes pelos mais cruéis, simplesmente porque foram flagrados em animadas conversas consigo mesmos. Mas não seria apenas a complementação do ciclo vital se repetindo nos extremos da vida? Passei a pensar nisso depois que o professor Tarantino, com seus quase 99 anos de lucidez absoluta, me confidenciou: "Muitas vezes na vida senti a presença do meu avô. E depois que envelheci, ele nunca mais largou da minha mão!".
Claro que esse tipo de relato só será bem dimensionado por quem tenha tido um avô interessante, o que infelizmente não é o mais comum. E nem recomendo argumentar com quem, sem poder escolher, nasceu numa família em que o avô era só o desinteressante mais antigo.
A Gláucia, com mais de 80 anos, tagarelava o tempo todo com ou sem companhia, e a família fazia de conta que não percebia que ela improvisava uma cantoria quando era surpreendida conversando sozinha. Na verdade, era uma avó afofada pelos
11 netos que, cuidando dela, revezaram-se em desvelo e agonia, sempre cobrando dos médicos a estimativa de uma data em que ela poderia voltar para casa. Quando ficou comprovado que a dor em faixa no abdome superior era um câncer avançado de pâncreas, ela soube disso pelos olhos incandescentes dos netos, ao redor da cama.
As fases da revolta e da depressão foram prolongadas, e ela só passou para a etapa da barganha quando soube que uma neta que vivia nos EUA, e que recentemente dera à luz uma menina, estava vindo visitá-la. Nessa tarde, fez quimioterapia sem nenhum paraefeito. À noite, não aceitou ser levada para a UTI, mesmo diante da argumentação de que seriam apenas poucas horas, necessárias para a reversão de uma arritmia cardíaca inesperada. E argumentou que ninguém merecia atravessar o mundo para encontrar sua avó entre máquinas. Na manhã seguinte, mesmo com uma palidez acentuada, estava irreconhecível: tinha dispensado a camisola do hospital e, vestida com elegância, penteava delicadamente os cabelos remanescentes do tratamento.
Confessou-me, com voz fraca, que sabia que estava morrendo, mas queria que lhe prometesse fazer o impossível para que vivesse até o fim da semana: ela precisava conhecer a sua única bisneta, antes de partir. Sem ter mais o que prometer, prometi.
Contra todas as probabilidades, agarramo-nos à esperança, o mais frágil dos nossos delicados fios de sustentação. Uma pena que a morte, pouco afeita a acordos, tenha ignorado as promessas. O coração, displicente, parou na madrugada do sábado em que
a bisneta chegaria.
A vida bem que podia esporadicamente dar uma trégua. Não precisava ser sempre tão real.