Só o amor despertou mais debatedores animados. Se considerarmos que a busca da felicidade é a essência da nossa passagem pelo mundo, todo o aparente exagero se justifica. O resultado de tantas cabeças pensantes trabalhando em dissintonia explica a variedade infinita de conceitos, uma característica dos temas que não entendemos bem.
Como somos completamente diferentes, a ponto de que coisas que deslumbrem alguns provoquem bocejos em outros, não se pretenda copiar modelos de felicidade. Tente construir a sua, do seu jeito. E trate de aceitar que, se pretender pôr a cabeça de fora, a ponto de ser profissionalmente respeitado, sempre terá maior chance o espírito acelerado, em comparação com aquele que sai da cama toda manhã com o desânimo de quem vai terminar o dia numa reunião do condomínio.
Ao assar uma costelinha no solitário churrasco de domingo, um leitor chorou ao se dar conta de que, sim, era feliz.
Para que não pareça implicância, e em prol dos menos ambiciosos, é preciso admitir que as pessoas pouco exigentes têm mais chance de alcançar uma condição de equilíbrio emocional, que se confunde tanto com felicidade, que talvez seja ela mesma. Por outro lado, uma fonte segura de infelicidade é a comparação, descrita por Mark Twain, como a morte da alegria, porque à nossa volta sempre haverá alguém que sabemos melhor do que nós.
Quem consulta a literatura fica impressionado com o rosário de recomendações, com uma unanimidade: o caminho mais seguro é ajudar o outro, que além de ser um exercício de humanismo, ainda desperta nos beneficiados o mais nobre dos sentimentos, a gratidão. No desespero desta pandemia, este sentimento ficou evidente, como raramente tinha acontecido. A onda de manifestações coletivas de aplauso aos profissionais da saúde só precisa permanecer, para que ninguém a considere um reles fruto do pânico transitório. Qualquer medo contamina a gratidão.
Enquanto isso, seguimos encantados com a descoberta de que ser médico, de verdade, é dar a alguém que nos procura uma alegria que ele não teria se não fôssemos capazes de fazer o que fazemos. E sem nenhuma soberba, até porque estamos sempre assombrados com nossos erros, dos quais, muitas vezes, nunca nos recuperamos completamente.
Apesar da diversidade de vicissitudes e ambições, consagrou-se a observação de que agrupados somos mais, e que em geral a solidão flagela, reduz a expectativa de vida, aumenta o risco de adoecer, e quando isso ocorre, o solitário sofre mais.
Ainda que essa observação seja consensual, não se pode negar a possibilidade, real e menos exigente, de sermos felizes sozinhos. Sempre me impressionou a capacidade de certas pessoas de estarem contentes com coisas que os outros consideram menores, em contraste com os que exigem a felicidade global, geralmente tendo fracassado com a sua.
Um dos depoimentos mais pungentes, recebi de um leitor fiel que confessou ter chorado enquanto assava uma costelinha no seu solitário churrasco de domingo, e se deu conta que era sim, uma pessoa feliz, e se sentia grato por isso.
Um exemplo de autodidata inteligente, ao entender que a pretensão de fazer todo o mecanismo funcionar harmonicamente é um impeditivo de felicidade, esta coisa que não existe e, um dia, acaba.