Nunca, em qualquer época, foi tão fácil a interação das pessoas. Certo? Completamente errado. A multiplicidade de formas de comunicação pode até ter criado a sensação, que cada vez mais se percebe como falsa, de que estamos juntos. Na verdade, jamais estivemos tão separados e solitários. Os seguidores das redes sociais, incorporados aos borbotões, podem criar a ilusão confortadora do quanto somos populares, mas isso não tem nada a ver com a disponibilidade de parceria, de alguém que nos ouça e, no máximo de fantasia, que nos afague e console. Esta solidão epidêmica certamente tem múltiplas causas, mas nada impressiona mais do que o nível de angústia das pessoas, recendendo a abandono, implorando por uma conversa. Se não for pedir demais.
A revisão das fichas de ambulatórios do SUS e de convênios mostra um percentual altíssimo de consultas sem patologias orgânicas evidentes, em que os pacientes, com dificuldades variáveis de expressar suas premências, acabam admitindo que estão carentes de quem as ouça. E então o médico é visto como um ouvinte, que além de gratuito nestas circunstâncias, ainda é potencialmente qualificado, ainda que, muitas vezes, não tenha treinamento nem vocação para terapias emocionais. Comove o grau de abandono, especialmente entre os mais velhos, de escassos vínculos afetivos, e consumidos de solidão, esta doença cruel que, há algum tempo, foi incluída como entidade nosológica no Código Internacional de Doenças (CID) como Z 60.2.
Os solitários, na comparação com os beneficiados por relações numerosas e afetivas, envelhecem mais cedo, perdem mais precocemente a capacidade cognitiva, adoecem mais e, quando isso acontece, sofrem mais porque misturam a angústia da doença com a tragédia da solidão. Não por acaso, há um índice crescente das taxas de suicídio, entre velhos desiludidos e, quase inexplicavelmente, entre jovens sem motivação para envelhecer.
Então, não surpreende que, neste mundo de carências tão explícitas, qualquer gesto de afago, seja visto como uma declaração de amor, numa hipervalorização que só confirma o quanto estamos desesperados na busca de quem restaure a nossa combalida autoestima.
Os solitários envelhecem mais cedo, perdem mais precocemente a capacidade cognitiva, adoecem mais.
Um dia desses, saía da UTI e parei para segurar a porta por onde passava uma maca empurrada por duas jovens sorridentes, levando uma paciente idosa. Impressionado com o sorriso lindo da paciente e a serenidade do seu par de olhos muito verdes, comentei com uma das moças:
— Tu viste a beleza do olho dela?
Uma semana depois, uma senhora de 78 anos sentou na minha frente para uma consulta, encaixada na agenda por grande insistência. Elegantemente vestida, com uma peruca castanha substituindo a touca da quimioterapia e sobriamente maquiada, parecia outra pessoa, exceto pelo olhar inconfundível. Pediu desculpa por ter insistido no agendamento e foi sucinta:
— Estou aqui só pra lhe dizer que naquele dia em que nos cruzamos na saída do bloco cirúrgico, eu estava saindo de uma punção e sentia muita dor para respirar, até que o senhor foi carinhoso comigo e a minha dor foi embora. Então, tendo que voltar para a minha terra e aproveitar o pouco tempo que me resta, eu não podia ir embora sem lhe dizer que seu elogio tem poder analgésico e lhe pedir que siga espalhando-o por aí!
E saiu, disfarçando uma lágrima que conseguiu deixar o verde daquele olhar ainda mais bonito.