O Alfredo era um homem velho, como são quase todos os Alfredos, e estava doente e escalado para ser um dos 800 mil brasileiros que naquele ano morreriam de morte anunciada. Do desfecho que se acercava, não havia nada que pudesse ser feito para evitar. Quando o soube viúvo, comecei a entender a sua solidão, mas ainda assim surpreendia a falta total de familiares, e me dei conta que o horário de visitas acentuava seu sofrimento solitário e silencioso, em contraste com a enfermaria ruidosa pela presença de numerosos visitantes dos outros pacientes.
Durante três dias, na mesma semana, aproveitei aqueles intervalos para conversar com ele e perguntar se havia algum parente a quem gostaria que avisássemos da sua condição de enfermo. Ele, meio acabrunhado, confessou que parentes ele tinha, mas os que viviam mais perto nunca vieram visitá-lo enquanto estava saudável e, então:
— Agora eu não preciso que venham só para descobrir como ficou minha pele encostada no osso! E o meu irmão Osmar, com quem eu precisava muito conversar antes de partir, mora lá pra cima, nesse Estado novo, que tem nome de rio!
Alfredo me entregou um papel meio surrado com um número de telefone e o DDD 63, que indicava a cidade de Palmas, no Tocantins. Naquela noite, fiz a ligação, confirmei que o Osmar atendia àquele número e me despedi depois que ele rejeitou a minha oferta de telemarketing propondo uma troca de operadora.
No dia seguinte, emprestei a Alfredo meu celular com o número do Osmar no visor. Uma hora depois, quando voltei, o Alfredo chorava, mas as lágrimas que escorriam não pareciam de sofrimento.
Quando cheguei, ele abriu um enorme sorriso e confessou:
— Acho que aquele filho da mãe não acreditou muito quando disse que tô alinhavado, mas o importante é que a gente se acertemos!
A impressionante redução das doses de analgésicos depois daquele dia em que ele, do seu jeito tosco, resolvera uma rusga estúpida, deixou claro que as feridas da alma, tão avivadas com a proximidade da morte, precisam mais do que drogas injetáveis para serem atenuadas. E que, no fim da vida, o perdão substitui qualquer sedativo.
Nunca soube se o Osmar, de fato, planejara vir como o Alfredo disse que ele prometera.
Dias depois, com a serenidade de quem está pronto, ele me chamou para dizer:
— Ah, Dr. quase me esqueço de lhe agradecer por ter-me emprestado o celular, aquilo foi muito bonito.
— Que bobagem Alfredo, a ligação pra aquele Estado que tem nome de rio nem é cara! — respondi.
— Mas e o quanto custa aquelas visitas que o senhor me fez só para que eu não me sentisse sozinho com a enfermaria cheia de parentes dos meus colegas?
Nunca soube se o Osmar, de fato, planejara vir como o Alfredo disse que ele prometera. O certo é que jamais apareceu. Talvez ele pretendesse mesmo, mas vivia longe demais para saber o quanto a pele do irmão já se aproximara do osso.