Qual o maior talento de um grande ator? Certamente é a habilidade de ocultar sentimentos, de viver papéis que se opõem ao que ele possa estar sentindo e fazer isso com uma naturalidade capaz de sequestrar o espectador, trazendo-o como um refém submisso para o meio da história. Os talentosos são imediatamente reconhecidos e separados dos medíocres que não conseguem evitar o desprazer de se revelarem desconfortáveis com as mãos e as palavras, essas delatoras das coisas que dizemos sem convicção, soando sempre dolorosamente falsas.
Pois essas pessoas habilitadas a reconhecerem, instantaneamente, um cínico tentando vender uma ideia fajuta também adoecem, e quando isso ocorre, elas ativam todos os sensores e assim, pilhadas, passam a ouvir o médico e a analisar frases e trejeitos, em busca de mensagens que possam parecer falaciosas. E se esbarrarem em alguma contradição, a relação estará comprometida. E muitas vezes, irreparavelmente.
A cultura da franqueza médica americana, muito turbinada pela frequência com que ocorrem demandas judiciais, sob a alegação de que a família teria ficado melhor economicamente se o paciente soubesse de antemão o que o esperava, resultou na adoção de uma política questionável: a da verdade total, em que o médico não se dá ao trabalho de filtrar a informação desnecessária, que acarretará sofrimento antecipado e inútil.
Naquela unidade americana de oncologia, a orientação era explícita: as doenças e seus desdobramentos são propriedade exclusiva do paciente, não cabendo ao médico interferir na gestão da desgraça individual. Nunca se discutia a possibilidade empática de se dispensar uma verdade cruel que fizesse apenas antecipar sofrimento sem nenhuma utilidade para o paciente, uma coisa assim, do tipo compaixão.
Edmond Ryan era um velho, antigo plantador de milho aposentado, viúvo e solitário, que nunca soubemos se tinha filhos, porque quando questionado ele sempre mudava de assunto, deixando claro que ali havia uma grande mágoa estocada. Com um tumor agressivo de pleura, descoberto em fase avançada, estava certamente vivendo seus últimos poucos meses. Fomos vê-lo num final de tarde e ele parecia mais animado com a ideia de ir para casa, no dia seguinte. Quando o oncologista lhe entregou a receita, ele quis saber a utilidade de cada medicamento. Informado de que eram analgésicos, médios e fortes, ele argumentou:
— Acho que não precisava tanto, doutor. Eu me considero uma rocha para dor!
E então o oncologista encerrou a discussão:
— O senhor não subestime a dor da invasão das costelas que é o que o senhor vai descobrir quando este tumor chegar lá!
A bochecha do seu Edmond ainda tremia quando saímos do quarto. Desconfortável, questionei o professor dizendo que o Edmond provavelmente não iria dormir naquela noite, mas ele foi lacônico:
— Fazê-lo dormir é a função do benzodiazepínico, não minha!
Na manhã seguinte, nevava lá fora, e antes de entrar no bloco cirúrgico, fui me despedir daquele velhinho de cara fofa, que se anunciara uma rocha, antes de descobrir que as palavras desprovidas de afeto podem ser uma britadeira cruel. Tentei confortá-lo, mas o olho estava vazio. Quis então saber se havia alguma coisa que eu pudesse fazer para ajudá-lo. Ele tomou minhas duas mãos e se despediu:
— Volte para o Brasil e seja feliz. Este lugar aqui é muito frio para você.