Tudo o que for prescrito ou recomendado a um paciente será cumprido ou negligenciado, dependendo do quanto, ou quão pouco, de afeto povoou aquela relação. Como o paciente usualmente está assustado pelo temor assumido ou dissimulado de morrer, toda atitude médica, incluindo a linguagem corporal, será acatada com carinho ou repelida com desprezo, dependendo do quanto ele se sinta acolhido ou rejeitado. Não importa que a pretensão pareça absurda, e claro que é, mas todo o paciente, em algum grau, se imagina como o único cliente daquele médico, escalado pelos deuses para curá-lo.
Uma evidência deste fato é a frequência com que, durante reconsultas, os pacientes dizem que não trouxeram os exames anteriores, “porque o Sr. já os viu na minha última consulta!”. Quer dizer, ninguém mais deve ter ocupado a atenção deste doutor durante as semanas que transcorreram entre essas consultas, tão especiais, que mereciam se tornar inesquecíveis.
É impossível racionalizar este comportamento fantasioso de possessão egoísta, se o médico não entender o quanto a lógica, que deve reger as atitudes das pessoas normais, é subvertida quando nos sentimos verdadeiramente ameaçados pelo desconhecido assustador de uma doença, que sempre parecerá mais grave, porque acometeu a única pessoa realmente fundamental e insubstituível no nosso planeta de um astro só, o ator principal. Ele.
Os médicos bem-sucedidos, esses que descobriram a maravilha viciante de se sentirem escolhidos pelos pacientes, valorizam todos os detalhes da abordagem inicial.
A relação entre o médico e um paciente assustado é a mais densa que se pode estabelecer entre duas pessoas completamente desconhecidas, até que uma delas adoeceu e buscou ajuda na outra, com aquele olhar inconfundível de quem traz um pedido explícito de socorro. Este encontro é meio mágico e tem um insuspeitado potencial de afeto e gratidão, se houver sensibilidade e delicadeza, ou ficará marcado irreparavelmente por revolta e desafeto, se em nenhum momento o paciente percebeu solidariedade, preocupação e parceria. Como em todas as relações humanas, incluindo o namoro, o primeiro encontro tem um papel decisivo para que se construa uma amizade franca, doce e generosa. Os médicos bem-sucedidos, esses que descobriram a maravilha viciante de se sentirem escolhidos pelos pacientes, valorizam todos os detalhes da abordagem inicial, porque aprenderam o quanto pode ser gratificante ou desastrado o primeiro contato com alguém emocionalmente fragilizado pelo sofrimento.
Os médicos calejados, e os pacientes em qualquer condição, se forem questionados, invariavelmente elegerão a pressa, por tudo o que ela encerra de descaso e desapreço, como a maior vilã no despertar de qualquer relação humana. Como há um componente subjetivo, mais importante do que o tempo gasto na visita é a administração desse tempo. Se lhes falta convicção disso, façam um teste: reservem cinco minutos para ficar no quarto do paciente, ouvindo-o sentado, de pernas cruzadas. No dia seguinte, usem o mesmo tempo, fazendo as perguntas de sempre, mas caminhando pelo quarto.
Com tempos idênticos, mas linguagem corporal oposta, o olhar do paciente apontará qual a atitude ele arquivará na sua memória afetiva. De onde nada do que o machuque será esquecido ou perdoado.