A medicina em que médicos e pacientes ocupam lugares distantes na “mesa de negociações” começa a perder espaço em consultórios, clínicas e hospitais do Brasil. Ainda que incipientes no país, propostas e movimentos de empoderamento dos pacientes vêm sendo discutidos em sociedades médicas e em entidades não governamentais. A ideia é que as pessoas, ao buscarem os serviços de saúde tenham um entendimento mais claro e objetivo dos caminhos a percorrer, tanto quando se fala em evitar danos quanto na busca pela cura, perdendo a passividade diante das decisões tomadas ao longo desse percurso.
A conscientização sobre a importância de compartilhar informações e decisões em um tratamento de saúde, dando ao paciente o poder de refletir sobre o que será ou não feito, inspirou a campanha Outubro Rosa deste ano que trouxe como tema O Paciente no Controle. O câncer de mama talvez seja um dos exemplos mais usados quando se quer ilustrar a dificuldade de o paciente garantir seu lugar nas decisões. Via de regra, pregava-se a mamografia como exame de rastreamento incontestável e, nos casos de confirmação da doença, um protocolo de tratamento sem, muitas vezes, detalhamento ao paciente. Explicita-se o lado positivo do procedimento e pincela-se o lado negativo.
– Nesse contexto, é até desonesto falar em empoderamento do paciente. O que se espera que ele vá decidir se ele só conhece um lado? – questiona Guilherme Brauner Barcellos, médico coordenador da Choosing Wisely Brasil (Escolhendo Sabiamente, em tradução livre), uma iniciativa da Abim Foundation, entidade criada pelo Conselho Americano de Medicina Interna em 1989, cujas proposições pretendem melhorar o atendimento em saúde, com o estabelecimento de condutas mais preocupadas com o bem-estar e o protagonismo do paciente.
Recentemente, a segurança da mamografia como exame de rastreamento começou a ser questionada, e as mulheres vítimas da doença – com apoio de entidades como Femama – vêm assumindo uma posição menos passiva frente às orientações. Há frutos dessa nova postura, como o aplicativo Tummi, desenvolvido por Márcia Azevedo (que descobriu o câncer no ano passado), o marido dela, Evandro Dalbosco, e os oncologistas Alessandra Morelle e Carlos Barrios, com design de Cristiano Dornelles. A ferramenta permite ao paciente registrar dúvidas, observar e anotar a evolução ou não de sintomas e o exercício do autoconhecimento, que, na opinião do professor associado da Universidade Estadual do Ceará Andrea Caprara, médico e PhD em Antropologia Médica pela Universidade de Montreal (Canadá), deve ser estimulado no sistema de saúde.
– A educação para melhoria dos cuidados crônicos prevê uma parceria entre a pessoa e o profissional de saúde, com o objetivo de promover o autocuidado. Para que esse processo seja bem-sucedido, o paciente deve ter participação ativa na aprendizagem – afirma Caprara.
Um estudo publicado pela Associação Americana de Oncologia Clínica (Asco) demonstrou aumento na qualidade de vida em 31% dos pacientes que faziam autorregistro de sintomas uma vez por semana e 7% menos visitas à emergência por esse mesmo grupo.
– O fato de darmos ao paciente uma ferramenta para ele mesmo registrar suas dúvidas, organizar sua agenda e acompanhar o dia a dia do tratamento coloca-o em uma postura mais participativa. Somado a isso, a forma de registro do aplicativo explica o que significa cada graduação do sintoma. Ou seja, o paciente aprende a identificar a gravidade de cada situação e a ter a iniciativa de tomar a ação necessária, desde um simples analgésico até ir para a emergência – diz Dalbosco, um dos criadores do Tummi.
Empodere-se
A Organização Pan-Americana da Saúde destaca 10 perguntas-chave que o paciente precisa fazer para ampliar a segurança nos serviços de saúde:
1 - Qual o nome do problema que tenho? Qual é o meu diagnóstico?
2 - Quais são as minhas opções de tratamento?
3 - Quais são as minhas chances de cura?
4 - Como é realizado o exame ou procedimento?
5 - Quando e como receberei os resultados do exame?
6 - Como se soletra o nome do medicamento prescrito?
7 - Quantas vezes ao dia e por quanto tempo devo usar esse medicamento?
8 - É possível que haja alguma reação a esse medicamento?
9 - Posso usar esse medicamento junto com outros que já utilizo, com algum alimento ou líquido?
10 - O tratamento mudará minha rotina diária?
A Choosing Wisely sugere que o paciente faça cinco perguntas básicas aos médicos:
1 - Preciso realmente deste teste, tratamento ou procedimento?
Os testes podem ajudar você e seu médico ou outro profissional de saúde a determinar o problema. Tratamentos (como medicamentos) e procedimentos podem ajudar a tratá-lo.
2 - Quais são os riscos?
Indague sobre efeitos colaterais e chances de obter resultados que não são os esperados e também se há possibilidade de o procedimento levar a mais testes e tratamentos adicionais.
3 - Existem opções mais simples e seguras?
Existem opções para o tratamento que poderiam funcionar? As mudanças de estilo de vida, como comer alimentos saudáveis ou exercitar-se mais, podem ser opções seguras e eficazes.
4 - O que acontece se eu não fizer nada?
Pergunte se a sua condição pode piorar — ou melhorar — se você não fizer um teste, tratamento ou procedimento imediatamente.
5 - Quais são os custos?
Os custos podem ser financeiros, emocionais e inclusive de tempo. Deve-se questionar se há um custo para a comunidade, se é razoável ou se existe uma alternativa mais barata.