Qual é a idade mais indicada para as mulheres iniciarem a rotina de exames de rastreamento do câncer de mama? O tema gera debates e levanta dúvidas. Recentemente, a Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul (SES) defendeu o exame somente a partir dos 50 anos para mulheres que não se enquadram no chamado grupo de risco – aquelas que têm histórico familiar da doença –, minimizando a importância do autoexame (técnica bastante utilizada até a década de 1990, mas que depois perdeu relevância). O Ministério da Saúde também prevê exames de imagem sem necessidade de requisição médica apenas para mulheres na faixa dos 50 aos 69 anos.
O assunto é mesmo polêmico, afirma o mastologista Antonio Frasson, do Centro de Oncologia do Hospital Albert Einsten, de São Paulo. Ele entende que, por questões financeiras, o ministério precisa delimitar o público-alvo. Contudo, Frasson estimula que o cuidado geral com a saúde, incluindo checkups em diversas áreas, comece cedo:
— Uma coisa é política pública. O governo tem um valor limitado e precisa definir como distribuir os recursos. Outra é a pessoa que vai pagar o próprio exame. São dois cenários diferentes. Dentro desta instituição, onde percebemos que 49% das mulheres com câncer de mama têm menos de 50 anos, recomendamos, de modo geral, que os exames comecem aos 40.
Essa seleção, conforme o Instituto Nacional de Câncer (Inca), está embasada em comprovações científicas que apontam mais vantagens do que riscos para essa população.
— Estudos demonstram que mulheres com menos de 50 anos assintomáticas podem descobrir lesões que não causariam danos e o exame poderia trazer mais malefícios que vantagens. A mamografia pode apontar um falso positivo que, para ser ou não confirmado, precisa de procedimentos invasivos e que causam dor. Existem várias evidências que mostram: os ganhos de fazer a mamografia de rastreamento são maiores em pessoas acima dos 50 — argumenta Beatriz Kneipp, tecnologista da Divisão de Detecção Precoce e Apoio a Organização de Rede do Inca.
O TelessaúdeRS, projeto de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Faculdade de Medicina da UFRGS, emitiu uma nota em que defende a posição do ministério e da SES.
"O cuidado integral das mulheres não deve ser restrito a solicitação de mamografia para rastreamento. A equipe da atenção primária deve fornecer orientações sobre prevenção do câncer de mama, manifestações clínicas da doença, bem como riscos relacionados ao rastreamento (como o sobrediagnóstico e sobretratamento)", diz parte do texto.
Por outro lado, a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), o Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) defendem a mamografia anual a partir dos 40 anos. Ruffo de Freitas Junior, presidente do Conselho Deliberativo da SBM, se baseia em dois grandes estudos, um inglês e outro canadense, e na mudança da faixa etária da doença para embasar o posicionamento das entidades.
— Dizer que não tem benefício entre os 40 e 49 anos não dá. Temos números e evidências que mostram que o exame reduz a mortalidade — afirma Ruffo.
Ele cita uma pesquisa feita na Inglaterra, que comparou mulheres que fizeram o exame a partir dos 40 com aquelas que iniciaram aos 50. O levantamento mostrou redução de 17% na mortalidade entre aquelas que passaram pelo procedimento antes da época indicada pelas autoridades de saúde locais.
— Outro grande motivo para começar nessa faixa etária é que tem aumentado a proporção de mulheres que começam a ter a doença mais cedo. Há 15 anos, a prevalência era a partir dos 50. Nessa última década, a frequência de casos dos 40 aos 49 é a mesma, o que reforça a importância da mamografia nesse período — completa Ruffo.
O autoexame, outro ponto que gera bastante divergência, ainda não teve sua eficácia comprovada cientificamente, de acordo com o presidente da SBM. Diversos estudos concluíram que a taxa de mortalidade era similar entre as mulheres que se examinavam em casa e as que não o faziam. Contudo, os especialistas reforçam a importância do conhecimento do próprio corpo.
— Não dá para dizer que se examinar não é importante. É obrigação se conhecer. Se o autoexame não tem benefícios reais e científicos, deve-se ter outros exames que podem fazer a diferença e quem exerce esse papel é a mamografia — destaca Ruffo.
Mamografia antes dos 50 anos
Quem não recomenda:
Ministério da Saúde, Inca, Secretaria Estadual da Saúde e TelessaúdeRS preconizam a mamografia bianual entre os 50 e 69 anos para mulheres assintomáticas, ou seja, aquelas que não têm nenhuma suspeita da doença. Mulheres com histórico familiar de câncer de mama ou ovário têm risco aumentado para a doença, por isso, devem ter acompanhamento médico individualizado e, se for requisitado, devem realizar o exame.
Por quê?
Defendem defende que os benefícios do exame são maiores a partir dos 50 anos. Além disso, eles acreditam que, antecipando o exame, as chances de submeter as mulheres a procedimentos desnecessários ou tratamentos agressivos são muito altas. Isso porque, muitas vezes, as alterações identificadas no exame podem nunca se desenvolver. Outro argumento é que 30% dos tumores descobertos antes dos 50 anos têm evolução lenta.
Quem recomenda:
Sociedade Brasileira de Mastologia, Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem e Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia defendem a mamografia anual a partir dos 40 anos de idade.
Por quê?
O motivo é o aumento no número de mulheres na faixa dos 40 aos 49 anos com câncer de mama na última década. Também se baseiam em estudos científicos que apontam redução da mortalidade entre as pacientes que iniciaram o exame aos 40 em relação às que o fizeram a partir dos 50. Se por um lado 30% dos tumores diagnosticados antes dos 50 anos têm evolução lenta, outros 30% crescem rápido e são muito agressivos, garante o mastologista Antonio Frasson. O especialista também lembra que há tendências apontando que, em mulheres mais jovens, os tumores tendem a ser mais agressivos.
Autoexame é substituído pelo "conhecimento do próprio corpo"
Sem comprovação científica da sua eficiência, o autoexame não deve ser considerado um compromisso sistemático para mulher. Bastante recomendada na década de 1990, a técnica, em alguns casos, mascarava o problema, pois as mulheres não encontravam nada e se sentiam protegidas. Identificar um tumor depende de diversos fatores como localização, tipo de mama o tamanho do nódulo, que só é palpável quando já tem entre 1,5 e 2 centímetros.
Ao contrário do compromisso mensal com o exame, a sugestão é que as mulheres conheçam o próprio corpo, o que as tornaria capaz de perceber diferenças ou sinais que podem indicar algum problema. Observar-se no banho, ao passar creme, nas relações sexuais ou até mesmo parada em frente ao espelho são alguns dos momentos que podem ajudar nesse conhecimento.
Ao notar nódulos de qualquer tamanho, retração da mama, uma mama maior que a outra, pele mais repuxada ou outras alterações, a mulher deve, obrigatoriamente, procurar um médico.
Como é em outros países
Estados Unidos
American Cancer Society
Preconiza mamografias a partir dos 45 anos.
Inglaterra
National Health Service
Recomenda a mamografia entre os 50 e 70 anos.
França
Governo recomenda a mamografia entre os 50 e 74 anos.
Canadá
Canadian Cancer Society
Indica, entre os 40 e 49 anos, uma avaliação dos riscos de desenvolver a doença junto ao médico. Dos 50 aos 69 sugere mamografia bianual.
Suécia
Governo recomenda as mamografias dos 40 aos 74 anos.