Se não houvesse tantos incapazes de admitir o erro, seríamos poupados do tempo desperdiçado ouvindo desculpas esfarrapadas e explicações fajutas que chateiam porque não convencem e irritam porque subestimam a nossa inteligência mediana.
Acho que já requintei minha atitude diante da tentativa sempre frustrada dos narcisistas que, muitas vezes sendo inteligentes, devem perceber que não convencem, mas isso não arrefece o ímpeto de ostentar uma convicção até fazê-la parecer verdadeira, exatamente por se considerarem assim, inteligentes.
Numa fase mais imatura, minha reação, em geral, era de indignação, geralmente mal contida. Depois, me convenci de que há do lado de lá um grande sofrimento pela certeza de algum grau de deboche no olho de quem ouve. E imagino que essa já é uma punição suficiente.
Os juízes, os policiais e, muito antes deles, os padres e rabinos sabem o quanto a confissão de um erro ou pecado retira de peso das costas do confessado. É como um salvo conduto generoso que liberta a vítima para voltar a viver na plenitude, mesmo que, no meio do caminho, haja uma penitência a ser cumprida.
Quem trabalha em grupo aprende desde cedo o que significa ter de dar explicação: numa cadeia de responsabilidades e tarefas, alguém não cumpriu a sua parte. Porque é fácil admitir que, se todos fizessem tudo o que foi previsto ou determinado, nunca mais teríamos de conviver com o constrangimento de suportar alguém tentando explicar o inexplicável.
Na atividade médica, suscetível ao erro como poucas, dada a quantidade absurda de variáveis em jogo, há uma enorme dificuldade de admitir que erramos, mesmo quando é óbvio que sim.
Há uma crença ingênua de que a confissão do erro pelo médico vai enfraquecer a relação com o paciente, mas acontece exatamente o contrário, pelo menos entre pessoas de boa fé, o que naturalmente exclui a escória desconfiada que interroga o médico com o gravador escondido.
Não há nada que aproxime mais o paciente do seu doutor do que ele sentir-se tratado com igualdade. E, acreditem, a confissão sincera do erro oferece uma aproximação emocional inigualável.
Os que se comportam como se fosse proibido errar, além de negarem a condição humana que nos faz falíveis, serão obrigados a conviver com o repúdio manifesto por impulso ou contido por educação de quem estará pensando: “Que pena que o nosso doutor pensa que eu sou tão idiota que não consigo perceber o que, de fato, aconteceu!”.
Independentemente de quais desdobramentos o erro possa ter, a percepção inconfundível no olho do interlocutor de que não estamos convencendo é o maior desconforto possível numa conversa entre um assustado buscando ajuda e um pretensioso negligenciando esperança.