Tem gente que acha o máximo dizer que pertence a um movimento social, como se o escudo escolhesse o soldado. E se for para defender uma minoria, melhor ainda, e se essa minoria morar em outro continente, nossa! Aí, então, não tem limites para a grandeza da alma dessa geração de generosos afeitos às causas tão abrangentes que se dispersam, sem individualizar o alvo.
Esses vocacionados para a generosidade indefinida nunca provaram o encanto da gratidão que, como se sabe, não se encerra no discurso, vai além, precisa do nome do ajudado, porque, diferentemente do mal, que se espalha a mancheias, o bem tem dedos finos. Depois de décadas de interação com pessoas tão pobres que carregam, nos olhos lassos, a tristeza de quem só finge que acredita, perdi definitivamente a paciência com a benemerência fajuta dos oportunistas, líderes de todos os protestos, mas alérgicos de morte a qualquer voluntariado. Uns tipos que defendem o sacerdócio na profissão dos outros, mas desligam a campainha nesta época em que os pedintes se multiplicam na fila dos famintos.
Outros, menos dispostos ao convívio com seres humanos miseráveis, malcheirosos muitos, carentes todos, dedicam-se com devoção a salvar a natureza e se dizem revigorados com a incomparável energia que recebem ao enlaçar uma árvore, sem nunca terem provado a intensidade carente do abraço de uma criança abandonada. Entre os indiferentes e os virtuosos, circulam, com ar desentendido, os fanfarrões, que só doam presentes de Natal para o orfanato se puderem colocar o logotipo da empresa na cesta. Azar deles que as crianças nem sabem ler e só estão interessadas no tamanho da barra de chocolate.
Valter não é o seu nome, mas foi o que ele escolheu para seguir como impõe: um anônimo. Pois esse Valter, descrente de milagres, só acredita em trabalho e, tendo ficado rico, quer ajudar, mas sempre com duas exigências: não revelar nem quanto nem quem doou. Depois, ele volta para ver o resultado, alisa a parede nova e mal contém a emoção ao admitir que “ficou bem bonito” e vai embora, fugindo da possibilidade que apareça alguém com um discurso de agradecimento. Ele gosta do velho pátio central da Santa Casa, com seus arcos famosos e suas árvores centenárias.
Despedimo-nos lá, na semana passada, com um abraço demorado, e ele seguiu, passo mais lento, pela avenida. Um dia desses ainda vou abraçar a velha castanheira que nos dá sombra em todos os encontros, sem pedir nada em troca. Não quero que ela se sinta excluída nem que me veja como um mal-agradecido.